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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O MOVIMENTO SINDICAL NO BRASIL: LUTA OU ACOMODAÇÃO A ORDEM ESTABELECIDA?

Antonio Barbosa Lúcio
Núcleo de Estudos Agrários e Movimento Sindical Rural em Alagoas-NEASR
Arapiraca/AL, Janeiro/2009
O texto visa explicitar questões relacionadas ao movimento sindical, suas principais dificuldades de atuação e, como na realidade brasileira, pode ser percebida as influências do capital na sua organização. Apresentaremos primeiro teorizações marxianas sobre o papel do sindicato e, em seguida, questionamentos sobre o sindicalismo brasileiro.


Marx, diz que o “Capital é poder social concentrado, ao passo que o trabalhador dispõe apenas de sua força de trabalho individual”. Ressalta que “O único poder social dos trabalhores é o seu poder numérico. Entretanto, esse poder numérico é anulado pela desunião. A desunião dos trabalhadores surge e mantem-se através da inevitável concorrência que sustentam entre si”. Marx, estava preocupado em demonstrar as discrepâncias entre o poder do capital e a força, não tão percebida, dos trabalhadores. Entende que a concorrência, tende a afastar os trabalhadores de seus objetivos que é a luta contra o capital. Percebe, também, que na organização sindical tende a prevalecer a luta econômica sobre a luta política. Entretanto, demonstra que, diante as formas de dominação do capital, a luta econômica é necessária para manter os trabalhadores em condições de atuar frente ao poder dominante, mas não pode se resumir a ela. Lembra que “Os sindicatos vieram ao mundo, originariamente, por meio das tentativas espontâneas dos trabalhadores de suprimirem ou, ao menos, limitarem essa concorrência, com o objetivo de imporem condições contratuais que os elevassem, no mínimo, acima da posição de meros escravos”. Ou seja, sua atuação “limitou-se às questões relacionadas com salário e jornada de trabalho”. Mas entende que “ Devem convencer todo o mundo de que suas aspirações encontram-se muito distantes de serem limitadas e egoístas, estando direcionadas, pelo contrário, para a emancipação dos milhões de oprimidos”(MARX, Associações Sindicais: Seu Passado, Presente e Futuro).

No contexto histórico europeu do século XVII e XVIII, ocorre o processo de intensificação da acumulação capitalista, com a utilização em larga escalas de máquinas, a substituição do trabalho artesanal e manufatureiro pelo trabalho industrial e, consequentimente, a gradativa exclusão dos trabalhadores do processo produtivo, o aumento da concorrencia no trabalho e miserabilidade crescente (ANTUNES, 1998). As máquinas passam a ser vistas como responsáveis por esse processo, ocasionando a criação do “movimento dos quebradores de máquinas”, o luddismo. Esta forma de organização sindical estaria na infância do sindicalismo, geralmente partia de atividades espontâneas que objetivavam manter as condições de vida e de emprego. Assim, diversas foram as formas de organização, a exemplo das trade-unions inglesas e o cartismo. Estes movimentos possuíam forte apelo a organização dos trabalhadores, buscavam enfrentamentos com a classe patronal, mas, segundo Marx, apesar dos avanços conseguidos, não atingiriam o processo de exploração capitalista, justamente por, em alguns casos, manter a luta sob a lógica economicista. De forma semelhante, porém de forma mais contundente, Marx, critica o auto-intitulado “sindicalismo revolucionário”, protagonizados pelos anarquistas. Para Marx, essa corrente sindical atribuía aos sindicatos a exclusividade na luta pela emancipação da sociedade, sob a lógica econômica (ANTUNES, 1989). Ao criticar Proudhon, um dos precursores anarquistas e sua corrente sindical, chamou-a de “pequeno-burguesa e de reacionária. Pequeno-burguesa pelo fato de reduzir a luta dos trabalhadores a reivindicações por aumento de salário. Reacionária, entre outras questões, por incitar a sociedade contra os movimentos grevistas (LÚCIO, 2003:19).”


Como podemos perceber, a questão sobre o papel dos sindicatos estaria centrada em sua eficácia e eficiência em atender os interesses da sociedade para além do processo de exploração. Este, sendo a forma usual do sistema capitalista subjugaria a população ao ponto de influenciar decisivamente para o processo de desunião. “Em “Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844,” Marx ressalta como o sistema capitalista se une para defender seus interesses e, ao mesmo tempo, “proibi” essa união entre os trabalhadores. Estes desorganizados, famintos e em estado de miséria absoluta, voltam-se contra seus assemelhados, na busca por manutenção do emprego e do salário. Os sindicatos estariam centrados no dilema de como tentar sanar as condições imediatas que, dentre outras coisas, necessita manter-se vivo e, a luta contra o capital. Este aparente paradoxo representaria apenas a dificuldade de compreensão das diversas formas de exploração capitalista. Não significaria, portanto, questões opostas, mas consistiria na falta de entendimento que, mantendo a primeira, necessariamente não poderia extinguir a segunda. Ou seja, a luta econômica e política enquanto necessidade de sanar dificuldades imediatistas, não poderia contribuir com a esperada igualdade entre os homens e mulheres, justamente por partir do pressuposto de humanização das relações capitalistas. Note-se que não se trata nem de manter a luta unicamente sob a lógica econômica nem de esquecer as necessidades imediatas. Trata-se, portanto, de entender até que ponto, a necessária luta contra o capital estaria caminhando para além da luta imediatista. Daí não ser possível excluir a luta econômica da luta sindical, tendo em vista que a primeira condição para que os homens e mulheres possam lutar é necessariamente manter a vida, o que significa condições dignas de subsistencia. Em” a ideologia alemã” Marx, enfatiza que o primeiro pressuposto de toda a história humana é justamente a existencia de indiduos humanos vivos, o que significa dizer em sua concepção que não seria a capacidade de pensar, mas de produzir seus meus de vida, as formas elementares de manutenção da vida e, assim, idiretamente, produziriam a vida material. Aponta também que o que ele chama de pressupostos da existencia humana e de toda a história: primeiro,” estar em condições de viver para pode fazer história” necessitando para tanto, “comer, beber, ter habitação, vestir-se;”a segunda, parti necessariamente da primeira, ou seja, “ºsatisfeita a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação, já adquiridos conduzem a novas necessidades- e esta satisfação de novas necessidades é o primeiro ato histórico (MARX,2001:39)”; a terceira, estaria relacionada a existência da família e a necessidade de prouver sua existência. Marx entendia que os três pressupostos não podem ser entendidos separadamente, o que necessariamente, apresenta como quarto pressuposto, a dupla relação entre a relação natural, a continuidade da vida através da procriação, e a relação social, que necessita da cooperação entre homens e mulheres. Lembra, entretanto, que as condições para existência humana e da história, devem ser vista e analisada, tendo como parâmetro a história da indústria e das trocas.


O que significa dizer que se em alguns momentos a luta puramente economica tende a prevalecer, esta situação necessitaria, concomitantimente, ser realizada, com a luta política, entendendo-a como luta contra o capital ou “ para além do capital. Em “ a questão judáica”, Marx fala de emancipação política e emancipação humana. A emancipação política, estaria concentrada em garantir direitos dentro da lógica capitalista de acumulação, ou seja, numa suposta igualdade que colocaria todos em “ um bem comum”. Seria falha, tendo em vista que manteria mesmas condições para diversos agrupamentos sociais, mantendo-os aquém de suas necessidades. No Manifesto Comunista“ o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outras (MARX, 2000).Ou seja, a emancipação política surge na sociedade civil sob a lógica econômica, tendo por base a compra e a venda do trabalho. Coloca o trabalhador sob a única perspectiva de venda da sua força de trabalho e, como na sociedade capitalista, a venda da força de trabalho é condicionada pelos interesses do capital, a visão voltada para a ampliação dessas condições puramente economicas tende a dificultar, senão impossibilitar que ocorram transformações sociais. Em outras palavras, impede a autêntica emancipação humana. Esta, pressupõe, ao contrário da emancipação política, a associação entre os trabalhadores afastando-os dos interesses individuais, onde as forças produtivas ficariam sob o controle coletivo.


O sindicalismo brasileiro no século XXI em sua organização tendeu a perder algumas características centradas na luta contra o sistema capitalista, desde o processo de consolidação institucionalizado na “Era Vargas”, a movimentos esporádicos de independência frente ao poder estatal e a classe patronal. Possui dificuldades que são históricas no bojo do movimento sindical por, direcionar suas atividades dentro da lógica institucional e, por isso, não conseguir, inclusive, que conquistas adquiridas a duras penas, possam possuir continuidades. Estas estão sendo continuamente solapadas e, mesmo a partir de algumas garantias conquistadas na Constituição Federal de 1988 foram, na década seguinte esfaceladas. Assim, a partir do governo Collor, mas especialmente aprofundo no governo Fernando Henrique Cardoso e, dando continuidade no governo Lula, direitos adquiridos deixam de fazer parte do ideário de luta sindical ou, pelo menos, não é prioritário. Ou seja, a organização sindical brasileira, perdeu o rumo da luta contra o capital e, manteve-se, sem muito resultado, concentrada em seus efeitos.


A lógica neoliberal de exclusão social extinguiu milhares de empregos intensificando a divisão do trabalho. Especialmente a partir da década de 1990, a luta do trabalhador estaria centrada em se manter no trabalho, abandonando qualquer perspectiva de ganho real de salários e, indubitavelmente, teve que aceitar como inevitável a lógica de exploração e dominação. Note-se que se houve, de um lado, intensificação da exploração, de outro, manteve-se e até foram elevados os ganhos com a exploração do trabalho por parte dos capitalistas. Estes seguros de sua força buscaram extinguir o chamado “estado de estar social,” aonde, de certa forma, admitia que os trabalhadores pudessem possuir certos direitos. No Brasil, medidas nesse sentido vão ser tomadas a partir do governo Vargas, com férias, décimo terceiro, salário mínimo e, garantias de organização sindical. Esta, através de coação a lideranças e, amplo jogo político de orientação populista que, entre outras coisas, utilizava-se do poder midiático e das condições precárias dos trabalhadores, foi constantemente perseguida, cooptada, burocratizada.

Se as condições objetivas da época dificultavam reações que pudessem colocar em xeque o processo de institucionalização sindical e, nos pequenos intervalos de “democratização” do país, não teria sido possível a conquista de direitos que efetivamente beneficiassem os trabalhadores, as quase duas décadas pós CF/88, parecem apontar para retrocessos na organização sindical. Ou seja, direitos conquistados a duas penas, inclusive com redimensionamento por parte da classe patronal para a satisfação de seus interesses, estão sendo continuamente abandonados.


Sob a lógica da democracia sindical imposta aos trabalhadores, estes passam a negociar com a classe patronal numa suposta igualdade de condições. Em épocas de crises, os trabalhadores são chamados a “salvar” o capitalismo ou o seu emprego, aceitando as condições do capital. Essa situação não seria nova, pois desde o processo de criação das organizações sindicais, quando os capitalistas estão em risco de perder riquezas, clamam a união do capital e do trabalho. Marx enfatizou que ao diminuir a riqueza da sociedade, o trabalhador é mais sacrificado e, se a riqueza aumenta, mesmo sendo favorável aos trabalhadores devido aumentar a concorrência entre os capitalistas por trabalhadores, estes, quanto mais desejam ganhar, têm que sacrificar sua própria vida, abreviando-a a serviço do capital (MARX, 2001:67). Não seria nova, também, a visão sindical que visa fortalecer o capital esperando supostos benefícios, acreditando no aperfeiçoamento do capital, como vimos acima. E, também, não seria nova a forte adaptação de lideranças sindicais aos ditames do capital, o que Lênin chamou em “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” de oportunistas justamente por abandonar a luta contra os capitalistas e o capital colocando-se contra os trabalhadores, seria semelhante aos atuais social-democratas em quaisquer de suas vertentes. Ou seja, não teríamos o que estranhar, pelo menos do ponto de vista histórico, que entendidas sindicais abandonem a luta revolucionária para além do capital e se concentre em lutas imediatistas. O que pode ser considerado estranho, no Brasil, é certa homogeneidade entre as organizações sindicais que, dentre outras coisas, e partir das constantes perdas salariais, direitos trabalhistas solapados, aumento da miserabilidade etc., passem a aceitar que tais conquistas possam ser “naturalizadas” sob a visão da necessária manutenção da vida. São inadmissíveis tais atitudes, tendo em vista que a vida não está sendo preservada. Ao contrário, são constantes as investidas para a sua subordinação aos interesses capitalistas e, o inegável abando de milhares de trabalhadores a própria sorte sem sequer apoio de organizações sindicais. Abandaram-se, sob a desculpa da urgência da manutenção do trabalho, formas de conscientização de classe. A própria greve, vista por Marx como local privilegiado de “educação de classe” não pôde regulamentada após a CF/82 e, ficou a mercê de juízes que julgam “serviços essenciais” geralmente decretando a ilegalidade do ato.

Na ânsia de aumentar o controle dos trabalhadores, capitalistas impõem ao chamado Estado de Direito, seus interesses. Assim, importantes medidas estão sendo continuamente aprovadas, a exemplo, da pulverização da organização sindical objetivando ampliar as divergências entre os trabalhadores; comunicar a classe patronal a possível existência de greve; cabendo ao empregador estabelecer o que seria serviço essencial (não podendo realizar greves); Estado com o poder de julgar a greve como abusiva, inclusive podendo estabelecer multas ou intervir nos sindicato; centraliza o poder das decisões nas centrais sindicais, geralmente afastadas de suas bases; mantém a estrutura de financiamento e custeio das entidades. Este último, geralmente utilizado para ações clientelistas de feições assistencialistas, não é fruto da necessária manutenção dos sindicatos, reconhecida pelos trabalhadores, mas ao instituir a contribuição negociada, também, impulsiona a formação do sindicalismo de resultados sob a lógica do mercado.


Como conseqüência, percebemos o afastamento dos trabalhadores das organizações sindicais e, quando muito, a participação de ocasião, aquela que não conseguindo mais perceber a importância da luta sindical, não se desvincula do sindicato por ainda entender que, pelo menos, não estaria completamente desprotegido. E, outra modalidade, centrada no abandono de formas de lutas, aceitando ideologicamente, a inevitabilidade do capital e, portanto, a não luta. A greve passa a ser criticada, por vezes condenada como se fosse o grande mal. Trabalhadores amedrontados não conseguem perceber a necessidade de resistência, tendo em vista que resistir significa morrer ou ser colocado no eterno exército de reserva. As organizações sindicais comumente são colocadas no ostracismo político e, a organização por fábrica (não sob a orientação dos trabalhadores, mas do ponto de vista patronal), passa a ser a democracia patronal, ou seja, aquela que apenas deve existir fora do local de trabalho. Nesse clima de emulação política, os trabalhadores atônitos passam a aceita todo e qualquer tipo de humilhação no trabalho, extensas jornadas, perdas de férias (ou sua troca por mais trabalho), redução da jornada de trabalho (quando não é conveniente para o capital) objetivando especialmente a redução de salários. Os capitalistas perceberam que é possível fazer tudo, só resta saber até quando.



ANTUNES, R L.C. O que é sindicalismo. 16 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Primeiros Passos)
ANTUNES, R. L. C A rebeldia do trabalho. São Paulo: Ensaio, 1998
LÊNIN, V. I. Esquerdismo: a doença infantil do comunismo. In: Obras Escolhidas em três tomos. São Paulo: Alfa-Omega,v.3. 1979.
LÚCIO, A. B. A ação sindical dos trabalhadores rurais a partir da década de 1970: as campanhas salariais dos canavieiros de Alagoas. Campina Grande/PB: UFPB, 2003.
MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã (Feuerbach). Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
MARX, K. e ENGELS, F. O Manifesto do partido Comunista. 9 ed. São Paulo: Global, 2000. (Coleção universidade popular).
MARX, K Manuscritos econômicos e filosóficos. Tradução de Alex Marins. Martins Claret, 2001.



sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

TRATAR DESIGUAIS DE FORMA IGUAL: O PRONAF EM ALAGOAS

Antonio Barbosa Lúcio
Universidade Estadual de Alagoas-UNEAL
Núcleo de Estudos Agrários e Movimento Sindical Rural em Alagoas-NEASR/2008
Pela lógica de organização do PRONAF, o processo de distribuição de recursos estaria vinculado a própria delimitação do proprietário rural enquanto trabalhador familiar. Em 2006 o senado federal[1] está em processo de aprovação que estipulem esses critérios para definição do que seria agricultura familiar. Em geral o que esta sendo estabelecido pela PLC 32/2006 são os mesmos critérios já estabelecidos anteriormente desde a aprovação do PRONAF não constituindo novidades ao que já fora estabelecido.


O Projeto classifica o agricultor familiar como categoria produtiva, de acordo com alguns parâmetros para enquadramento, tais como: não deter área maior do que quatro módulos fiscais; utilizar predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu empreendimento; ter renda familiar predominantemente originada de atividades econômicas vinculadas ao próprio estabelecimento ou empreendimento; dirigir o estabelecimento ou empreendimento com auxílio de pessoas da família. O projeto estabelece, ainda, a articulação das políticas da agricultura familiar com aquelas direcionadas à reforma agrária (MDA/NEAD, 2006).


Sendo assim, não havendo novidades quanto aos critérios para a designação do que seria agricultura familiar, nos voltaremos aqui a apresentar como estas condições podem ser destacadas no Estado de Alagoas enquanto justificativa para a alocação de recursos para o Estado.

Uma das primeiras condições para que o produtor familiar receba recursos, seria: possuir propriedades no valor de até 04 módulos fiscais ou desenvolver atividades agrícolas em forma de parceria e/ou arrendatário. Pelos dados do IBGE, podemos verificar que no Estado de Alagoas não houve relativa alteração na quantidade de estabelecimentos agrícolas. Em 1975, possuía 105.160 estabelecimentos chegando em 1995/1996 a 115.064 estabelecimentos. Houve manutenção da quantidade de proprietários em patamares semelhantes ao de 1970. Entretanto, no censo de 1995/96 houve queda da quantidade de arrendatários, aumento dos parceiros e de ocupantes[2].



Entretanto, se os dados relativos a condição de proprietários quase não demonstram diferenciação em duas décadas, dados quanto aos estabelecimentos segundo os grupos de área total (ha) em 1995 apontam a dimensão desses estabelecimentos. Ou seja, 92, 736 do total de estabelecimentos, segundo o IBGE, eram pertencentes ao grupo de menos de 10 ha. Por esses dados, levando apenas em consideração o critério de alocação de recursos de 04 módulos fiscais, a maioria absoluta dos estabelecimentos alagoanos estaria inserida nessa condição.


Entretanto, o Estado de Alagoas realizou em 2005, 35.066 contratos com um montante de R$ 68.631.671,17. Esses dados seriam expressivos se não houvesse tanta disparidade em relação os demais Estados do país, como por exemplo, o caso do Acre 4.765 contratos e recebeu R$150.483.033,46.


Não se está preconizando aqui o estabelecimento de formas igualitárias de alocação de recursos, mas a necessidade de políticas públicas que levem em consideração pelo menos os critérios impostos pelo governo federal para delimitar as áreas de atuação dos recursos governamentais. Faz-se necessário notar que não estamos defendendo que as disparidades de recursos entre as regiões devam ser sanadas com a alocação igualitária entre as regiões com os recursos já existentes. Temos ciência que são insuficientes para sanar a demanda de cada região. Entretanto, essas disparidades regionais, com os recursos existentes, apenas são explicitadas tendo em vista que as regiões Norte e Nordeste possuem maiores índices de miserabilidade do país. Portanto, pela mesma lógica que é estruturada as políticas públicas para o setor rural, estabelecidas através do decreto nº 3.991 de 30 de outubro de 2001, objetivando “implementar o aumento da capacidade produtiva, a geração de empregos e a elevação da renda, visando a melhoria da qualidade de vida e o exercício da cidadania dos agricultores familiares” pode-se atentar que as maiores desigualdades em relação a renda, qualidade de vida e, conseqüentemente, o exercício da cidadania, está numa região marcada historicamente pela quase ausência de políticas públicas que efetivassem melhorias para essa população. Conforme dados do IBGE, o Estado de Alagoas possui não apenas índices altíssimos de desemprego, mas disparidades entre os diversos Estados dessa região.

É importante notar que em relação aos dados desde 1995, período em que foram estabelecidas as formas tanto de definição do que seria agricultura familiar como a própria definição de quais seriam os recursos destinados a cada região, não houve significativas alterações nas condições de vida e de trabalho dos alagoanos que vivem em áreas rurais. Se tomarmos, por exemplo, o Estado de Alagoas, com maior índice de desemprego da região, é possível verificar que outros dados se agrupavam a essa situação de desemprego. A população apresentava um índice de analfabetismo entre pessoas com mais de 15 anos de 61,7 % em 1970 e de 55,1% em 1980. Este índice tendia a aumentar entre a população rural com 77,1 % e 71, 4, respectivamente,(...). Entre a faixa etária de 15 a 29 anos, no meio rural, o analfabetismo correspondia a 63,29% (LUCIO, 2003: 66). Somados a esses dados, a expectativa de vida no Estado Alagoano era, de 57 anos. A média nordestina era de 61 anos; a mortalidade infantil era de 78 por 1000, possuindo os maiores índices da região que era de 63 por 1000. Esses dados apresentados pela SUDENE (1997), foram apresentados em 1990/2000, pelo IBGE, podemos perceber que apesar de ter ocorrido crescimento negativo quanto a mortalidade infantil, o Estado de Alagoas ainda persistiu com a maior variação entre os Estados nordestinos. Essa situação é ilustrativa se levarmos em consideração que

"Tais dados convergem com a proporção da população ocupada que ganhava menos de um salário mínimo, em 1995. (...) 39,70 % da população ocupada em Alagoas recebia menos de um salário mínimo (R$ 140,00). Esse dado é superior ao índice alcançado em nível do país, que era de 22% e superior aos demais Estados nordestinos, como Pernambuco, Piauí, Sergipe, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte e, da própria região Nordeste como um todo, a qual revelou naquele ano que 36% de sua população ganhava menos de um salário mínimo (LUCIO, 2003:71)."


Portanto, se do ponto de vista das necessidades da população havia condições de que houvesse políticas públicas que almejasse sanar as condições de miserabilidade, como estabelece a legislação, do ponto de vista de interesses políticos, ideológicos e econômicos essa condição sequer foi levada em consideração, a não ser como forma de propaganda populista dos diversos governos desde a implantação do PROVAP no governo Itamar Franco, até os dias atuais. Além disso, a proposta do PRONAF, em 2001, assegurava a arregimentação de seus recursos para além da atividade tipicamente centrada na agricultura. Essa forma de conceber a utilização dos recursos pode ser expressa através do Decreto nº 3.991 de 30 de Outubro de 2001 que estabelece:

"Art. 5o Para os efeitos deste Decreto, são considerados beneficiários do PRONAF todos aqueles que explorem e dirijam estabelecimentos rurais na condição de proprietários, posseiros, arrendatários, parceiros, comodatários ou parceleiros, desenvolvendo naqueles estabelecimentos atividades agrícolas ou não-agrícolas(...)

Parágrafo único. São também beneficiários do Programa os aqüiculturas, pescadores artesanais, silvicultores, extrativistas, indígenas, membros de comunidades remanescentes de quilombos e agricultores assentados pelos programas de acesso à terra do Ministério de Desenvolvimento Agrário (DECRETO nº 3.991 de 30 de Outubro de 2001)."


O que poderia ser um reconhecimento por parte do Governo Federal de que atividades agrícolas ampliadas para aquelas relacionadas a sobrevivência de produtores familiares para além de atividades relacionadas a terra, se tornou, ao ampliar o leque de atendimento do PRONAF sem, em contrapartida, alocar recursos para atender a demanda existente em cada região, em objeto de negociação entre aqueles setores que possuem maior condição de negociação, ou seja, maior poder de pressão frente aos governos. Além disso, ainda estão embutidos os recursos destinados ao processo de organização da distribuição desses recursos.



[1] “CD: Apresentado em julho/2004, o projeto foi apensado ao PL 804/2003. Em julho/2005, dispensado por requerimento do autor e deferimento da Mesa Diretora, o projeto seguiu tramitação em separado, tendo sido despachado, sob apreciação conclusiva, à CAPADR e CCJ. Na CAPADR, sob relatoria do dep. Francisco Turra (PP/RS), foi aprovado em setembro/2005. Para relatoria na CCJ foi designado o dep. Jamil Murad (PCdoB/SP), no mesmo mês, cujo parecer favorável foi aprovado por unanimidade em dezembro/2005. Em março/2006 foi encaminhado ao Senado Federal (PLC 32/2006) (Fonte MDA/NEAD/2006)”.
[2] “Considerou-se produtor a pessoa física ou jurídica que detivesse a responsabilidade da exploração do estabelecimento, quer fosse o mesmo constituído de terras próprias ou de propriedade de terceiros. Os produtores foram classificados em proprietário, arrendatário, parceiro e ocupante (Fonte: IBGE - Censo agropecuário 1995/1996)”.