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terça-feira, 23 de junho de 2009

PENSAR O “MUNDO RURAL” NA UNEAL

A tarefa de refletir sobre o “Mundo Rural” numa Universidade do Interior de Alagoas, Estado prioritariamente de orientação agrícola, deveria ser uma atividade de fácil resolução. Entretanto, na mesma proporção que possui sua atividade principal voltada para a agricultura, não possuia estudos voltados para essa temática. Se no Estado, atualmente com diversas Universidades, a realidade do campo não é devidamente estudada, na UNEAL(Universidade Estadual de Alagoas), essa situação não seria diferente. Com quase quarenta anos de existência, não possuía estudos concentrados no campo. Isto se deve a própria organização das atividades da Instituição. Até finais da década de 1980, era uma entidade privada, voltada exclusivamente para a formação de professores e funcionava apenas em Arapiraca. A partir de 1990, foi estadualizada com a denominação de FUNESA (Fundação Universidade Estadual de Alagoas), e em 2006, a Universidade, como a denominação de UNEAL. Nesse período, passou a ampliar suas atividades para Palmeira dos Índios, Santana do Ipanema, São Miguel dos Campos e União dos Palmares. Houve a manutenção prioritária na área de educação, voltando-se para a formação de professores, mas ampliou-se, também, para os cursos de administração e ciências contábeis, zootecnia, direito.


Esta “vocação” para o ensino poderia até justificar a ausência de estudos no campo. Entretanto, também as escolas rurais não seriam prioritárias. Não é um caso típico da UNEAL, autores que estudam a educação do campo, como Caldat, enfatizam o distanciamento dos professores da realidade rural e, a insuficiência de pesquisas nessas áreas. Creio que refleti mais, a forma como é concebida o campo no Brasil e, na relação entre a forma de conceber os estudos e pesquisas centrados nas áreas urbanas. Em Alagoas, essa situação tende a se agravar, tanto pelo fato de que as prioridades das Universidades estão concentradas no urbano, como pelo fato de ser um Estado empobrecido, e o investimento em pesquisas, especialmente relacionadas as áreas humanas não parecem ser prioritárias. Outra questão suscita discussões: é o fato de os alunos, geralmente com ligações familiares em áreas rurais, não estudarem as temáticas que envolvem essa realidade. Talvez a questão esteja no fato de como as áreas rurais são vistas pelos alunos. Em recente pesquisa com estudantes de escolas rurais, realizada pelo NEASR (Núcleo de Estudos Agrários e Movimento Sindical Rural em Alagoas), no qual sou coordenador, alunos de escolas disseram querer abandonar o campo e, ao mesmo tempo, idealizam a cidade como local de prosperidade. Na realidade de Alagoas, morar no campo e na cidade pode fazer a diferença entre sair do grau de dificuldade extrema, para o patamar de dificuldade apenas. Ou seja, mesmo a diferença não sendo grandiosa, suscita no imaginário dos estudantes, um novo mundo que o rural não pode e não vai propiciar.

A partir do exposto, vou passar a refletir mais diretamente o que é ser um sociólogo do mundo rural na UNEAL. No meu caso, a preocupação em analisar o campo, teve influência direta da organização familiar, voltada para atividades rurais, mesmo sem morar nele. Ou seja, sempre fui de origem urbana e, diria, com um “pé no campo” pelas ligações familiares. Estudei na atual UNEAL, no curso de formação de Professores na área de Estudos Sociais, depois realizei especialização em Ciências Sociais e em Metodologia do Ensino Superior, além do curso de Pedagogia na UFAL (Universidade Federal de Alagoas), na capital alagoana. Em 1994 fui aprovado em concurso público na UNEAL e, em 2001, fui realizar o Mestrado em Sociologia na UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Já na escolha da Universidade, foi pensado por mim uma universidade que estivesse voltada para estudos voltados para o campo, como era o caso da UFPB/Campina Grande. Já no projeto de mestrado direcionei para estudos voltados para analisar os trabalhadores rurais alagoanos. Essa escolha, além da ligação com o campo acima assinalada, teve por base a orientação marxiana que, de certa forma, apontava para a necessidade de desvelar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores no Estado de Alagoas. A dissertação realização com o título “A ação sindical dos trabalhadores rurais a partir da década de 1970: as campanhas salariais dos canavieiros de Alagoas” teve como objetivo “a reconstituição e interpretação da trajetória da ação sindical na área canavieira de Alagoas, a partir da década de 1970, enfatizando-se especificamente as Campanhas Salariais postas em prática anualmente sob o respaldo da CONTAG e da FETAG/AL”. Após a conclusão do mestrado, em 2003, tive a preocupação de criar um Grupo de Estudos que, a princípio, procurava refletir, sobre a organização dos trabalhadores rurais no agreste alagoano. As dificuldades para a criação do grupo foram muitas: a) seria necessário “convencer” professores e alunos da necessidade de estudos para a área rural, e nesta, os sindicatos rurais; b) a continuidade do grupo; c) apoio Institucional; d) consolidação da linha de pesquisa. Como lecionava nos cursos de História e Geografia, essa situação pode ser contornada, pelo menos em relação aos alunos, tendo em vista que em relação aos professores, essa situação continuou sem solução, tendo em vistas que geralmente suas pesquisas estavam concentradas nas áreas urbanas.


Nesse grupo, passamos a refletir autores brasileiros e estrangeiros que tratavam da ação sindical. Assim, os textos de Marx, se tornaram uma necessidade para compreensão de como foram formados os sindicatos e quais suas finalidades na sociedade capitalista. Buscou-se, também, analisar as origens da questão agrária brasileira, nas teses de Caio Prado Junior, Otavio Ianni etc., e autores que analisaram a realidade brasileira e nordestina, como Manuel Correia de Andrade, Francisco de Oliveira, Milton Santos, como também, textos voltados para a análise sindical rural, como Sandra Correia de Andrade, Regina Novaes e Roberto Novaes. Em Alagoas, como dito anteriormente havia, como ainda há, poucos trabalhos nessa área de atuação. Assim, passamos a analisar a dissertação e tese de Paulo Dércio Mello, professor da UFAL. Seus estudos estavam voltados para as organizações dos trabalhadores rurais, notadamente, na região norte do Estado e. Beatriz Heredia, com estudo voltado para a área canavieira do litoral sul do Estado de Alagoas. Alem disso, autores que concentravam estudos teóricos na teoria organizacional do sistema capitalista, como Istivan Mézáros, dentre outros. Definia-se, dessa forma, uma orientação de análise das organizações sindicais, levando em consideração os efeitos do sistema capitalista na atividade rural e, as formas como as lideranças sindicais se posicionavam frente esse sistema. Ou seja, tanto as formas de organização dos sindicatos, com suas ações, como os trabalhadores rurais sentiam a presença sindical.

A partir desses estudos, dentre outros, foi possível a organização de trabalhos monográficos nas entidades sindicais de Girau do Ponciano, Coité do Nóia, Junqueiro e, ainda em fase de execução em Arapiraca e Taquarana. Por diversas razões, alguns estudos não deram continuidade. Inicialmente pretendíamos analisar as organizações sindicais dos dez municípios do agreste, mas a alguns alunos no decorrer de seus cursos direcionaram suas atividades para as áreas urbanas ou, no caso de História, para análises históricas, abandonando a orientação sociológica. Entretanto, estes estudos pareceram suscitar em outros alunos, análises também voltadas para as áreas rurais e seus trabalhadores, como foi o caso estudos voltados para trabalhadores das áreas canavieiras, especialmente, das condições de vida e de trabalho dos assalariados da cana-de-açúcar. Assim, tivemos monografias em Campo Alegre, Teotônio Vilella, municípios prioritariamente canavieiros e onde persiste um processo de exclusão do trabalhador, a reestruturação produtiva que propicionou maior racionalização do processo produtivo e, consequentimente, expulsão do trabalhador das propriedades, com o fim do sistema de morada. Este já vinha ocorrendo a partir do início da década de 1970, com a criação do Programa do Álcool (PROALCOOL), a fusão e incorporação de usinas, a transferência de usinas para o extremo sul de Alagoas, região de considerada adequada. Esta situação facilitou o uso intensivo de máquinas e a substituição de grande parte do contingente de trabalhadores canavieiros. Mas foi, em Alagoas, especialmente a partir de meados da década de 1980, que esse processo foi acentuado, com a inserção em larga escala do uso de máquinas, a definitiva consolidação do fim do sistema de morada, a exclusão das mulheres e do trabalho infantil. Este último, se não fosse da forma como ocorreu, substituido por mão de obra barata e abundante teria sido um dos maiores benefícios dessa nova forma de consolidação capitalista no campo no Estado de Alagoas.


Como podemos perceber, o grupo de Estudos sobre movimento sindical rural em Alagoas, teve que redimensionar suas atividades, inclusive, ampliando sua linha de pesquisa. Daí a Criação do NEASR. Além da necessidade de oficialização de suas atividades, a partir da nova estruturação da Universidade, as aspirações dos estudantes em realizar outros estudos voltados para o campo. Além dessas temáticas, outros estudos passaram a fazer parte do Núcleo, voltados para o Pronaf(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e a Educação do(no) Campo. Assim, algumas temáticas passaram a fazer parte das atividades: sindicatos rurais; programas governamentais, voltados para a agricultura e; educação do campo.

Até então minha atuação profissional estava restrita aos cursos de História e Geografia que, sempre possuía alunos que, de uma forma ou de outra procuravam, quer por curiosidade quer por necessidade de realizar pesquisas, voltarem para tais estudos. Em 2007, solicitei transferência para os cursos de Biologia, Matemática, Direito e Letras. A nova realidade dificultou a continuidade de estudos nas temáticas anteriores, apontando para a concentração apenas na temática educação do campo. Este fato, possivelmente, se deve ao objeto de estudo desses cursos que, dificulta, exceto no caso de Direito, estudos voltados para questões de orientação social. Não que não possam, mas que, pela sua forma organizacional em um misto de licenciatura e bacharelado de orientação mais técnica, tende a distanciar os alunos do tipo de pesquisa que o NEASR realiza. Apesar de tentar convencer, alunos desses cursos que seus estudos podem suscitar discussões em todas as áreas do conhecimento buscando abranger formas multidisciplinas, confesso, que não ando tendo muito êxito nesse sentido. Entretanto, alguns alunos do curso de Letras, passaram a fazer parte dos estudos, voltando-se para análises da situação educacional em escolas rurais dentro da habilitação propiciada no curso. Nos demais cursos, essa situação ainda não vem acontecendo. Porém, alunos dos cursos de história e geografia, permanecem participando, inclusive realizando atividades de estudos e pesquisas voltados para os trabalhadores rurais.


Em 2007, o NEASR, organizou uma semana de Estudos com o tema: “Estudos Agrários: velhos problemas, novos desafios”. Esta possuía como objetivo propiciar condições para que alunos publicizassem os trabalhos que vinha realizando no decorrer de sua vida acadêmica. Contou com 30(trinta) trabalhos escritos; organização de painéis e; a participação de 170(cento e setenta) inscritos. Confesso que me surpreendi com a participação, tendo em vista que até pouco tempo, sequer as temáticas eram utilizadas como objeto de pesquisa. Tivemos a participação de alunos de diversos cursos, tais como: geografia, letras, história, direito, na UNEAL e, zootecnia e agronomia da UFAL.


Creio que essa participação ocorreu devido à propaganda repassada através dos alunos, as atividades de aulas voltando-se para análises rurais e, as atividades realizadas nos diversos cursos por professores e alunos da UNEAL. Pode-se dizer que, houve um despertar para estudos que estivessem voltados para a vida e o trabalho dos camponeses alagoanos.


Apesar das dificuldades acima apresentadas, foi possível ao menos, despertar para uma realidade que, no Brasil, permanece de certa forma invisível na academia. Enquanto o agronegócio é objeto de estudos das diversas áreas do conhecimento sob a forma de pesquisas para o aperfeiçoamento do setor produtivo, em relação aos trabalhadores rurais, as políticas públicas para esse setor, a produção do conhecimento que possibilitasse visibilidade e que colocassem na agenda social esses trabalhadores, ainda, no Estado de Alagoas, não pode ser vista como área de atuação prioritária.

Na verdade, faltam posicionamentos que envolvam estudos interdisciplinares e transdisciplinares que congreguem atividades aparentemente diferenciadas, como a Sociologia, a Matemática, a Biologia, o Direito, a História, a Geografia etc., que propiciasse ao acadêmico a possibilidade de compreensão de sua realidade enquanto totalidade. Essa situação, não vem ocorrendo na UNEAL e, creio eu, pela própria situação dos trabalhadores do(no) campo, em grande parte do país. Não se trata, pois, do abandono do objeto de pesquisa de cada área do conhecimento, mas de interrelacionar os estudos, propiciando maior mobilidade entre as disciplinas e, mais que isso, de redimensionar o conhecimento para a efetivação e consolidação de estudos que favoreçam a compreensão e intervenção nas diversas realidades a ser analisadas.


A necessária análise da realidade camponesa, não se coloca como algo especial a ser estudado, mas apenas como objeto de análise com insuficiência de estudos nessa área. Ou seja, nesse caso, não é apenas um problema da UNEAL, mas da própria estruturação do ensino universitário compartimentalizado e, por vezes, desconectados entre si. Assim, a Sociologia, por vezes, é vista como uma disciplina não necessária aos cursos das áreas ditas mais técnicas ou, quando muito, passa a ser entendida como uma disciplina complementar que, se possui alguma importância não favoreceria ao aluno conhecimentos específicos. Não é entendido o caráter extrínseco da Sociologia, enquanto produção do conhecimento voltado para a própria essência do ser social. Assim, por vezes, alunos de Biologia, Matemática e Letras, possuem dificuldades em apreender um conteúdo que, em última instância, não faz parte do corpo específico do curso que estão realizando. Mesmo no Curso de Direito, aonde essa situação poderia não ser tão diferenciada, tendo em vista a conectividade do trabalho do jurista com a realidade social, tende a não ser compreendida a importância de estudos sociológicos. Em meu entender, essa situação, parece ser parte de uma “cultura” da especialização, do norteamento das atividades dos referidos cursos. O curso de geografia, por exemplo, com sua aparente dicotomia entre o campo humano e físico, tende a afastar a possibilidade de ampliação de estudos para além do que vem sendo produzido. Ou seja, ocorrem, por vezes, tentativas de fechar o conhecimento, de concentrar os estudos exclusivamente nas especificidades. Perde-se, com essa visão, a possibilidade de ampliação da capacidade de reflexão para além do especifico ou, ao menos, de perceber esse específico numa dimensão mais ampla.


Daí, entender a relação entre capital e trabalho fica comprometida. E, as relações destes com a terra, passam despercebidas. Mais que isso, o próprio ser social, tende a ficar distante de parte dos estudos. É notório que estou falando aqui, a partir da minha experiência como professor de Sociologia dos cursos citados e, sob avaliações da percepção dos alunos em relação ao conhecimento produzido pela Sociologia. Não há, pois uma relação negativa voltada para estudos sociológicos nesses cursos, mas uma visão centrada na necessidade de aplicabilidade, pois, geralmente, a dimensão do conhecimento socialmente produzido, pela própria forma como as disciplinas são organizadas, prevalecendo o teórico sobre a aplicabilidade, tende a distanciar a compreensão. Não é percebida a interrelação entre teoria e prática. Entretanto, essa dimensão tende a ser mais aceita no curso de História. Pela própria relação entre Sociologia e História, os tipos de questionamentos acima assinalados, não ocorrem com tanta veemência. Ocorrem dificuldades, quanto à possibilidade de introjetar o conhecimento fazendo-o parte da construção do arcabouço teórico dos educandos e, da própria ampliação desse conhecimento enquanto compreensão da realidade social e a necessária transformação dessa realidade. Nesse ponto, o curso de História se assemelha aos demais.


Em todos os casos acima, voltar os estudos para o mundo rural continua sendo uma dificuldade presente e, ainda de difícil resolução. Sem pensar as formas de apropriação das terras e os efeitos delas decorrentes, não pode ser possível compreender o mundo urbano, tendo em vista que as relações existentes no campo influenciam e são influenciadas por outras realidades. O aluno urbano tende a centralizar suas percepções como se da terra não necessitassem, como se a natureza não fosse a causa primeira da existência humana. Permanece, na maioria dos casos, com visões ou romantizadas do campo, voltando-se para um mundo idealizado de paz ou, a visão do atraso. O camponês é visto ainda como atrasado e, os movimentos camponeses, como maléfico para a sociedade. Por vezes fico admirado com pessoas geralmente com acesso a conhecimentos mais amplos, ignoram a realidade rural e, criminalizam as atividades voltadas para a conquista da terra.


Não é por demais lembrar que o camponês assalariado, na acepção moderna do termo, é uma categoria recente, oriundo da expropriação da terra, dos constantes processos migratórios forçados e da ideologização das cidades como local de prosperidade em contraposição ao campo como local do atraso. Mas se essa situação persiste, ela tem por base raízes históricas que deixaram de favorecer os camponeses e os colocaram sob o poder do capital agrário monopolizador. A persistência do latifúndio fortaleceu o empobrecimento do trabalhador e o colocou a margem da sociedade. Este trabalhador perdeu sua capacidade produtiva a partir do momento que não possuiu a terra como instrumento de trabalho. Esta terra, apenas persiste como ferramenta de trabalho, quando o resultado do trabalho passa a ser direcionado para os outros.


A persistência de criminalização dos movimentos sociais por alunos universitários tem como fundamento a própria sistemática de organização ideológica em que estão inseridos. Ou seja, a construção do imaginário urbano de felicidade, justiça, religião etc., tende a ordenar os individuos sob a lógica de que a distribuição de mercadorias deve ser necessariamente desigual. Daí, a manutenção da existência de dois mundos dicotomizados: o rural e o urbano. Esta situação não é de fácil solução, tendo em vista o distanciamento da produção do conhecimento envolvendo os diversos setores da sociedade. Aquele ideal de justiça, por vezes, é confundido com o direito existente no mundo capitalista, com orientações religiosas de acesso aos bens produzidos socialmente através do trabalho e, de que o individuo pode ser feliz independentemente da sua condição social ou do acesso as mercadorias produzidas. Observe que dentre essas mercadorias, a educação, estaria entre aquelas que possuem sua distribuição mais desigual e, ao mesmo, dificulta, e às vezes impossibilita, o acesso a outras atividades da produção. Por vezes, percebo alunos que criminalizam os movimentos sociais rurais em luta pela terra, sem perceber a origem agrária brasileira e as consequencias dessa situação para o conjunto dos trabalhadores. Na idealização da justiça, deve possuir a terra quem conquistou através do trabalho. Entende-se, por esse prisma, que seria quem acumulou riquezas, e não efetivamente que trabalhou na terra e que, devido às condições propiciadas pelo assalariamento, não pode ter acesso.


Conversando com um camponês do sertão alagoano, sem formação superior ou qualquer outra formação a não ser aquela que a vida lhe propiciou, pude verificar sua indignação por possuir água em suas terras e não ter condições de extrair-la através de um poço artesiano, tendo que, obrigatoriamente solicitar que seu vizinho, abastardo economicamente, conceda o acesso a um poço. Pude refletir como quão distante estariam aqueles que vivem em cidades dessa realidade, de perceber como o assalariado urbano, por vezes, não compreende a dimensão de sua exclusão social. Este camponês pode refletir sobre sua condição de vida e as dificuldades geradas pelo descaso político, que o afastam de uma vida, senão digna, pelo menos acessível aos bens básicos de sobrevivência. Mesmo possuído sua história escrita sob a lógica dominante, conseguiu entender, em sua simplicidade, que alguma coisa não estaria correta. O mundo urbano universitário parece ter perdido a capacidade de compreensão de como esta realidade é difícil de ser colocada em xeque, persistindo um individualismo voltado exclusivamente para tentar sanar questões de orientação imediatista. Parece ter perdido, também, a capacidade de indignação consciente, para além do senso comum, de como as possíveis respostas as dúvidas do camponês podem ser apresentadas. Isto devido ao fato de sequer haver, com mais ênfase, questionamentos que levem em consideração o saber camponês e suas possíveis soluções para o conjunto da sociedade.


Nesse sentido, a Sociologia Rural estaria distante de, pelo menos, desvelar as condições de vida e de trabalho existentes do camponês. José de Souza Martins (2001) em “O futuro da Sociologia Rural e sua contribuição para a qualidade de vida rural” diz que

“A sociologia rural tem um pesado débito para com as populações rurais de todo o mundo. As gerações vitimadas por uma sociologia a serviço da difusão de inovações, cuja prioridade era a própria inovação, ainda estão aí, legando aos filhos que chegam à idade adulta os efeitos de uma demolição cultural que nem sempre foi substituída por valores sociais includentes, emancipadores e libertadores: ou legando aos filhos o débito social do desenraizamento e da migração para as cidades ou para as vilas pobres próximas das grandes fazendas de onde saíram, deslocados que foram para cenários de poucas oportunidades e de nenhuma qualidade de vida(MARTINS,2001:1)”.

Assim, haveria a necessidade de ampliar estudos que levassem em consideração o “mundo do camponês” e, mais que isso, a percepção de que esses estudos seriam ponto de partida e não de chegada, para a compreensão do Brasil da forma como estaria sendo continuamente reeditado, tanto na literatura voltada para sua análise, como própria vivencia de seu povo. Em ambos, o que estaria em jogo, seriam as faces da exclusão social e, das ilhas de prosperidades existentes. As duas realidades estariam presentes em um país de dimensão continental e, de extrema miséria, perpetuando relações de concentração de poder.

Considero que haveria certa cegueira diante os fatos e acontecimentos sociais voltados para o camponês. Mesmo não sendo uma característica centrada exclusivamente no camponês, mas típico da forma como se concebe atualmente os estudos da sociedade, ocorrem tendências centralizadoras de análises que excluem perspectivas que levem em consideração o conjunto das ações voltadas para esse contingente populacional. Restou ao camponês, as mazelas do Estado autoritário, clientelista, assistencialista e de orientação burocrática que, em última instância, compreende-o apenas como aquele individuo que deve permanecer na sua condição social ou, no máximo, aquele que deve abandonar as áreas rurais para dar lugar a grande propriedade ou ao agronegócio.


A Universidade, nesse contexto, parece reproduzir os valores existentes sob o domínio exclusivista das elites econômicas, não favorecendo alternativas frente ao processo desencadeante de manutenção do modelo de organização social que não leva em consideração os diversos sujeitos envolvidos. Permanece a lógica de que o mercado é que estaria determinando a existência das diversas habilidades necessárias para sua continuidade. Ou seja, absorveu a lógica capitalista de exclusão social, como sendo uma prerrogativa da sociedade e, não percebeu que se essa lógica é persistente, possui como centro gerador a própria estrutura de dominação enraizada nas relações sociais, impostas pelos grupos hegemônicos.


A reflexão do rural brasileiro e, do camponês inserido nesse rural, aos poucos foi perdendo a dimensão que poderia ter alcançado. Se em décadas anteriores, tal dimensão era pouco analisada, mas que poderia ter alçado a esferas maiores, a partir de estudos como os de Caio Prado Jr. Celso Furtado, Otávio Ianni, Manuel Correia de Andrade etc, houve, de certa forma, arrefecimento dessa dimensão para, inclusive, o quase completo abandono. É preciso observar, no entanto, que estou falando de estudos voltados para a interpretação do Brasil, em suas diversas realidades, das consequencias favorecidas pelo capitalismo agrárioexportador na vida cotidiana dos trabalhadores do campo, com suas práticas centradas na “revolução verde” e, no processo de reestruturação produtiva, ocorrido mais recentemente no país. Não houve débitos de alguns setores da ciência em produzir tecnologias, notadamente, centradas nas universidades brasileiras que favorecessem o crescimento desordenado e alienante do conhecimento, especialmente na produção e concentrado dessas tecnologias sob o domínio do agronegócio. O que houve e há, é o direcionamento do conhecimento produzido para as populações camponesas.

No âmbito da Sociologia, como disse Martins, acima citado, especialmente a rural, tendeu a perpetuar o débito com as populações rurais. O que significa dizer, que se a universidade não propiciar condições de reflexão e de tomada de posição frente à atual situação do camponês, tenderá a ocorrer a persistência da miséria e da exploração. Não se trata, pois, de ser a geradora da transformação social, mas de possibilidade de reflexão para além do que vem existindo.

Em Alagoas, essa situação é gritante, tendo em vista que a não efetivação de políticas para além de um assistencialismo tacanho, de orientação semelhante às práticas mantenedoras da escravidão no Brasil Colônia e Império, dificultam reflexão para além da condição de permanência das relações de dominação, até pela falta de sujeitos que almejem refletir tais áreas do conhecimento.

sábado, 20 de junho de 2009

O MUNDO DE ALICE E OS TRABALHADORES RURAIS ALAGOANOS

Gatinho Cheshire, que caminho devo seguir? - pergunta Alice. Depende onde você quer chegar - responde o gato (Alice no País das Maravilhas).


A fábula nos apresenta uma grande lição. Que caminho devo seguir? A resposta obvia seria indicar o caminho. Entretanto, a resposta surpreendente é: depende onde você quer chegar. Alice, vivendo em um mundo de sonhos, não sabe para onde seguir. Pergunta e resposta nos chamam atenção para o caminho, nos lembram a necessidade de não apenas chegar a algum lugar, mas a que lugar se pretende chegar. Não bastaria, portanto, uma meta inicial, para encontrar o caminho, devemos questionar a finalidade. Portanto, exige a escolha de uma opção metodológica.

Em Alagoas, os grandes proprietários de terras, estão concentrados, principalmente em duas grandes regiões: o litoral e o sertão. A primeira, mais desenvolvida economicamente, concentra os latifundiários do açúcar, em cerca de 65% das terras agricultáveis no Estado. Seu poder econômico e político perpassa todo o tecido social, estaria engendrado nas entranhas do poder e, com alto padrão tecnológico e de servidão, refletem a lógica de exploração capitalista no rural alagoano. Paralelamente, confundem capitalismo agrário com urbano, pois seus domínios vão além da concentração de terras. A este grupo econômico e político, a pergunta de Alice e a resposta do gatinho Cheshire perdem o sentido. Historicamente, passaram a concentrar terras, alocar recursos públicos, dominar a política alagoana. Desde a “emancipação” política de Alagoas, no início do século XIX, o poder esteve concentrado sob os auspícios dos produtores de açúcar. A partir década de 1930, além da concentração de terras, centrada na crescente decadência dos banguês, na fusão propriedades(quer sob a lógica dos casamentos familiares ou da compra e outros meios) e na incorporação de pequenas e médias áreas agricultáveis, ampliam seus domínios para o setor industrial . Assim, ao ampliar o setor industrial, favoreceram, no Estado, o aparecimento da categoria “fornecedores de cana”, para suplantar momentaneamente, a ainda insuficiência de propriedades para o plantio de cana, devido a necessidade que essa cultura possui para o desenvolvimento da produção. Além disso, concentravam o poder político a nível local, com a insistente permanência das famílias nas diversas esferas do poder público. Famílias violentas se digladiavam constantemente, como no caso dos Góis Monteiro. Divergiam em relação ao grupo familiar que iria governar o Estado e os Municípios, mas essas divergências não chegavam a abalar o poder de mando do setor sucroalcooleiro. Em nível nacional, concentravam forças, controlando o IAA (Instituto do Açúcar e do Álcool) e influenciando decisões no Congresso Nacional. Na década de 1950, com a “inapropriada” eleição de Muniz Falcão, recente líder oposicionista que se alia a usineiros dissidentes e a grupos oligárquicos do agreste e sertão, os usineiros vêem as "urnas" direcionar para uma possível mudança no comando político do Estado. Estava em jogo, não mudanças na ordem econômica local ou direcionamentos que provocassem questionamentos ao poder das persistentes oligarquias rurais, mas o comando do direcionamento político. Após sucessivas derrotas e, violenta reação do setor sucroalcooleiro através de seus representados na assembléia legislativa estadual, o impeachment do Governador, seu posterior retorno, desde que não entravasse a crescente ascensão dos usineiros, tudo voltaria ao "normal", bem ao estilo da “pax romana” tendo a frente armas e autoritarismos.


Também foi sob o domínio dos usineiros que a Ditadura Militar ganhou voz, representatividade e possibilitou o avanço da truculência. Mesmo antes do Golpe da elite econômica brasileira em 1964, a organização de milícias, o aparato estatal, a conivência das grandes religiões, a inércia da sociedade civil (des)organizada e a miséria crescente, favoreceram a sustentação do poder militar em um dos Estados da federação que, mesmo sendo o segundo menor em dimensão territorial, demonstrava possuir forças políticas e econômicas suficientes para não encontrar resistências significativas a qualquer atrocidade cometida.


O longo período ditatorial colocava em evidência, ainda mais, o setor sucroalcooleiro, ao mesmo tempo em que possibilitava a política continuista de exploração, dominação, expropriação de milhares de trabalhadores e, dentre eles, especialmente, os trabalhadores rurais. Estes, não puderam se organizar, não tiveram acesso a educação, saúde, moradia. Continuam sob a lógica da exploração desenfreada que é proporcionada por um capitalismo de orientação conservadora centrado na extrema exploração.
Em Alagoas, o chamado Estado do bem-estar social, não chegou a ser concretizado. Sequer as políticas populistas de Estado propagadas por JK-Janio-Jango nas décadas de 1950-60, puderam ser colocadas em prática. A chamada “república sindicalista”, expressão cunhada pela extrema direita brasileira e, por vezes, também divulgada, equivocadamente, por setores ligados a esquerda, em Alagoas, também não foi possível ser realizada. Nesse Estado, o movimento de sindicalização rural empreendido por Jango, a partir da pressão dos movimentos sociais rurais, mas que possuía forte teor de controle sindical pelo Estado, sofreu duros golpes, comandados pelo Governador-Major Luiz Cavalcante. A Igreja Católica, tradicional organizadora dos movimentos rurais que, em Estados como Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, propiciou a criação e organização de vários sindicatos rurais, em Alagoas, geralmente se omitiu ou se aliou ao major-governador Luiz Cavalcante. Este, tem seus feitos externados nas insistentes placas de comemoração com seu nome, nas diversas ruas por todo o Estado, pela mídia alagoana ou mesmo no imaginário da mídia recente, como o exemplo abaixo.

"(...) o major Luiz Cavalcante, o único governador de verdade em Alagoas desde 1961. Tudo o já que funcionou no Estado (o Produban, a Bacia Leiteira, o Instituto de Educação, o Cepa, as adutoras) e tudo o que ainda está funcionando (a Ceal, a Casal, o Trapichão, a Polícia Civil) a sociedade alagoana deve ao governador Luiz Cavalcante, o “maluco” que andava sozinho e se sentava nos bancos da praça para comer amendoim e chupar “rolete de cana”(JORNAL ALAGOAS 24 HORAS. 15h22, 21 de novembro de 2006 Acessado em 23/03/2009)."

Não é questionado o mérito da ações realizadas. Não se questiona que o Banco do Estado de Alagoas S.A. (PRODUBAN), desde a sua criação serviu para captar recursos estatais em favorecimento do setor sucroalcooleiro, até a sua liquidação, na década de 1990, sob alvos de CPI’s no Estado e no Senador Federal. Que as ações de fortalecimento da Bacia Leiteira no Sertão alagoano, possuía forte teor político para a contenção de frentes oposicionistas geradas a partir dos acordos com o grupo político de Muniz Falcão. A própria organização das estatais, Casal e Ceal, além de constituir parte de uma política de favorecimento ao capital privado, iniciada por JK, também serviu como mola propulsora para alavancar o setor sucroalcooleiro, sendo que a CEAL, atualmente federalizada, foi alvo de constantes abusos governamentais e de uso indevido da energia elétrica por parte das usinas. Portanto, a dívida da “sociedade alagoana” como apregoa o Jornal 24 horas, acima citado, foi paga com “sangue suor e lagrimas.”

A esquerda alagoana, notoriamente ligada ao Partido Comunista Brasileiro(PCB) passou a organizar os movimentos sociais no Brasil, mas por sua incipiente abrangência, não possuía expressão política no Estado que colocasse em xeque o poder usineiro ou mesmo que pudesse favorecer a ampliação da organização sindical para além do poder estatal. O certo foi que em Alagoas, os sindicatos rurais tiveram por base, a força organizativa da classe patronal do açúcar e do álcool (nas regiões litorâneas) e da Igreja Católica e eventuais partidos de esquerda (no agreste e sertão) (LÚCIO, 2003).


Sem organização política, a quase ausência da sociedade civil organizada e de organismos religiosos considerados progressistas, a classe trabalhadora alagoana, notadamente analfabeta, vivendo em meio a violência entre as famílias economicamente dominantes que são hesitavam em assassinar seus assemelhados para continuar no poder, foi contida bem ao estilo da elite alagoana, pela coerção. Foi assim, em todo o seu percurso histórico, desde o confronto político para manter a sede da capital alagoana no atual município de Marechal Deodoro, antiga Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul, em meados do século XIX, aos Malta, Maia, Teixeira, Mendes, Novaes, Fidelis, Calheiro e Omena, aos atuais grupos familiares que se digladiam, irradiando violência por todo o Estado com constantes assassinatos. Nesta realidade marcada pela violência, enraizada na impunidade latente, impulsionada pela omissão e conivência estatal, se posicionar contrário, significaria, não apenas a continuidade da impunidade, mas a morte.


Resistir em Alagoas, confrontar o poder político e econômico das elites agrárias, é passível de ser assassinado, ou seja, não é apenas retórica: somente em 2007, o Estado, com um dos mais altos graus de conflitos por terras no país, teve, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra(CPT) 13 agressões, 2 ameaças de morte, 3 prisões e 4 tentativas de assassinatos. Como a maioria dos conflitos, gerados a partir das ocupações de terras, não estão sendo realizados em áreas consideradas produtivas, de acordo com o que estabelece a Constituição Federal de 1988; não fazem parte das terras que produzem cana-de-açúcar ou que estariam sendo ocupadas com a pecuária, pode-se dizer que a forma de exclusão do acesso as terras alagoanas, dentro da lógica de Reforma Agrária impetradas pelo Estado brasileiro, estaria centrada em possível perpetuação das propriedades privadas no campo, sob o domínio incondicional das elites econômicas. Estas, mesmo não estando preocupadas com o possível retorno econômico que as propriedades consideradas improdutivas poderiam gerar, não admitem a possibilidade de questionamento do acesso a terra. Além disso, os conflitos propiciariam o inflacionamento do valor das propriedades junto ao Governo Federal.
Para os trabalhadores rurais alagoanos, a pergunta de Alice e a resposta do gatinho Cheshire, diferentimente das elites econômicas que sabe o que quer e como chegar aos seus objetivos, utilizando, inclusive desvios possíveis existentes no Estado (neo)liberal, ainda continua fantasiosa. Não se sabe qual o caminho e, muito menos para onde seguir. Portas e janelas estão fechadas. Na verdade, o caminho único, em linha reta, indica aonde chegar: a obediência cega e irrestrita aos desmandos de sua elite.
O Estado brasileiro, não parece se preocupar com a miserabilidade existente em Alagoas. A corrupção em todo o país, se espalha sem qualquer medida a ser efetivada. A impunidade, permeia e o "quem manda aqui sou eu," prevalece. Bricamos de Federação, de República e Democracia. Esta, de forma elitista, impõe toda a sua força "democrática" sob o processo de exclusão e de dominação. O povo, passa a ser apenas um detalhe que, em Alagoas, não teria tanta importância assim.
"Que caminho devo seguir" ainda continua uma pergunta difícil de ser respondida e, mais, sua resposta, " depende onde você quer chegar" persiste em não encontrar possíveis alternativas para o sofrido povo alagoano. Parece que falta aquela história do "golfo" atribuida ao Velho Graciliano Ramos da necessidade de que o Estado deixe de ser inutil e possa servir de alguma forma para o Brasil. Se não é um golfo, pelo menos é uma "ilha", com seu povo abandonado e suas elites com trânsito livre ao continente. Nega-se a possibilidade do caminho a seguir. Sem verificar as causas da miserabilidade, encontram as respostas: culpam o povo alagoano, como se este tivesse alternativas frente aos desmandos existentes.