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sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O MOVIMENTO SINDICAL NO BRASIL: LUTA OU ACOMODAÇÃO A ORDEM ESTABELECIDA?

Antonio Barbosa Lúcio
Núcleo de Estudos Agrários e Movimento Sindical Rural em Alagoas-NEASR
Arapiraca/AL, Janeiro/2009
O texto visa explicitar questões relacionadas ao movimento sindical, suas principais dificuldades de atuação e, como na realidade brasileira, pode ser percebida as influências do capital na sua organização. Apresentaremos primeiro teorizações marxianas sobre o papel do sindicato e, em seguida, questionamentos sobre o sindicalismo brasileiro.


Marx, diz que o “Capital é poder social concentrado, ao passo que o trabalhador dispõe apenas de sua força de trabalho individual”. Ressalta que “O único poder social dos trabalhores é o seu poder numérico. Entretanto, esse poder numérico é anulado pela desunião. A desunião dos trabalhadores surge e mantem-se através da inevitável concorrência que sustentam entre si”. Marx, estava preocupado em demonstrar as discrepâncias entre o poder do capital e a força, não tão percebida, dos trabalhadores. Entende que a concorrência, tende a afastar os trabalhadores de seus objetivos que é a luta contra o capital. Percebe, também, que na organização sindical tende a prevalecer a luta econômica sobre a luta política. Entretanto, demonstra que, diante as formas de dominação do capital, a luta econômica é necessária para manter os trabalhadores em condições de atuar frente ao poder dominante, mas não pode se resumir a ela. Lembra que “Os sindicatos vieram ao mundo, originariamente, por meio das tentativas espontâneas dos trabalhadores de suprimirem ou, ao menos, limitarem essa concorrência, com o objetivo de imporem condições contratuais que os elevassem, no mínimo, acima da posição de meros escravos”. Ou seja, sua atuação “limitou-se às questões relacionadas com salário e jornada de trabalho”. Mas entende que “ Devem convencer todo o mundo de que suas aspirações encontram-se muito distantes de serem limitadas e egoístas, estando direcionadas, pelo contrário, para a emancipação dos milhões de oprimidos”(MARX, Associações Sindicais: Seu Passado, Presente e Futuro).

No contexto histórico europeu do século XVII e XVIII, ocorre o processo de intensificação da acumulação capitalista, com a utilização em larga escalas de máquinas, a substituição do trabalho artesanal e manufatureiro pelo trabalho industrial e, consequentimente, a gradativa exclusão dos trabalhadores do processo produtivo, o aumento da concorrencia no trabalho e miserabilidade crescente (ANTUNES, 1998). As máquinas passam a ser vistas como responsáveis por esse processo, ocasionando a criação do “movimento dos quebradores de máquinas”, o luddismo. Esta forma de organização sindical estaria na infância do sindicalismo, geralmente partia de atividades espontâneas que objetivavam manter as condições de vida e de emprego. Assim, diversas foram as formas de organização, a exemplo das trade-unions inglesas e o cartismo. Estes movimentos possuíam forte apelo a organização dos trabalhadores, buscavam enfrentamentos com a classe patronal, mas, segundo Marx, apesar dos avanços conseguidos, não atingiriam o processo de exploração capitalista, justamente por, em alguns casos, manter a luta sob a lógica economicista. De forma semelhante, porém de forma mais contundente, Marx, critica o auto-intitulado “sindicalismo revolucionário”, protagonizados pelos anarquistas. Para Marx, essa corrente sindical atribuía aos sindicatos a exclusividade na luta pela emancipação da sociedade, sob a lógica econômica (ANTUNES, 1989). Ao criticar Proudhon, um dos precursores anarquistas e sua corrente sindical, chamou-a de “pequeno-burguesa e de reacionária. Pequeno-burguesa pelo fato de reduzir a luta dos trabalhadores a reivindicações por aumento de salário. Reacionária, entre outras questões, por incitar a sociedade contra os movimentos grevistas (LÚCIO, 2003:19).”


Como podemos perceber, a questão sobre o papel dos sindicatos estaria centrada em sua eficácia e eficiência em atender os interesses da sociedade para além do processo de exploração. Este, sendo a forma usual do sistema capitalista subjugaria a população ao ponto de influenciar decisivamente para o processo de desunião. “Em “Manuscritos econômicos e filosóficos de 1844,” Marx ressalta como o sistema capitalista se une para defender seus interesses e, ao mesmo tempo, “proibi” essa união entre os trabalhadores. Estes desorganizados, famintos e em estado de miséria absoluta, voltam-se contra seus assemelhados, na busca por manutenção do emprego e do salário. Os sindicatos estariam centrados no dilema de como tentar sanar as condições imediatas que, dentre outras coisas, necessita manter-se vivo e, a luta contra o capital. Este aparente paradoxo representaria apenas a dificuldade de compreensão das diversas formas de exploração capitalista. Não significaria, portanto, questões opostas, mas consistiria na falta de entendimento que, mantendo a primeira, necessariamente não poderia extinguir a segunda. Ou seja, a luta econômica e política enquanto necessidade de sanar dificuldades imediatistas, não poderia contribuir com a esperada igualdade entre os homens e mulheres, justamente por partir do pressuposto de humanização das relações capitalistas. Note-se que não se trata nem de manter a luta unicamente sob a lógica econômica nem de esquecer as necessidades imediatas. Trata-se, portanto, de entender até que ponto, a necessária luta contra o capital estaria caminhando para além da luta imediatista. Daí não ser possível excluir a luta econômica da luta sindical, tendo em vista que a primeira condição para que os homens e mulheres possam lutar é necessariamente manter a vida, o que significa condições dignas de subsistencia. Em” a ideologia alemã” Marx, enfatiza que o primeiro pressuposto de toda a história humana é justamente a existencia de indiduos humanos vivos, o que significa dizer em sua concepção que não seria a capacidade de pensar, mas de produzir seus meus de vida, as formas elementares de manutenção da vida e, assim, idiretamente, produziriam a vida material. Aponta também que o que ele chama de pressupostos da existencia humana e de toda a história: primeiro,” estar em condições de viver para pode fazer história” necessitando para tanto, “comer, beber, ter habitação, vestir-se;”a segunda, parti necessariamente da primeira, ou seja, “ºsatisfeita a primeira necessidade, a ação de satisfazê-la e o instrumento de satisfação, já adquiridos conduzem a novas necessidades- e esta satisfação de novas necessidades é o primeiro ato histórico (MARX,2001:39)”; a terceira, estaria relacionada a existência da família e a necessidade de prouver sua existência. Marx entendia que os três pressupostos não podem ser entendidos separadamente, o que necessariamente, apresenta como quarto pressuposto, a dupla relação entre a relação natural, a continuidade da vida através da procriação, e a relação social, que necessita da cooperação entre homens e mulheres. Lembra, entretanto, que as condições para existência humana e da história, devem ser vista e analisada, tendo como parâmetro a história da indústria e das trocas.


O que significa dizer que se em alguns momentos a luta puramente economica tende a prevalecer, esta situação necessitaria, concomitantimente, ser realizada, com a luta política, entendendo-a como luta contra o capital ou “ para além do capital. Em “ a questão judáica”, Marx fala de emancipação política e emancipação humana. A emancipação política, estaria concentrada em garantir direitos dentro da lógica capitalista de acumulação, ou seja, numa suposta igualdade que colocaria todos em “ um bem comum”. Seria falha, tendo em vista que manteria mesmas condições para diversos agrupamentos sociais, mantendo-os aquém de suas necessidades. No Manifesto Comunista“ o poder político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outras (MARX, 2000).Ou seja, a emancipação política surge na sociedade civil sob a lógica econômica, tendo por base a compra e a venda do trabalho. Coloca o trabalhador sob a única perspectiva de venda da sua força de trabalho e, como na sociedade capitalista, a venda da força de trabalho é condicionada pelos interesses do capital, a visão voltada para a ampliação dessas condições puramente economicas tende a dificultar, senão impossibilitar que ocorram transformações sociais. Em outras palavras, impede a autêntica emancipação humana. Esta, pressupõe, ao contrário da emancipação política, a associação entre os trabalhadores afastando-os dos interesses individuais, onde as forças produtivas ficariam sob o controle coletivo.


O sindicalismo brasileiro no século XXI em sua organização tendeu a perder algumas características centradas na luta contra o sistema capitalista, desde o processo de consolidação institucionalizado na “Era Vargas”, a movimentos esporádicos de independência frente ao poder estatal e a classe patronal. Possui dificuldades que são históricas no bojo do movimento sindical por, direcionar suas atividades dentro da lógica institucional e, por isso, não conseguir, inclusive, que conquistas adquiridas a duras penas, possam possuir continuidades. Estas estão sendo continuamente solapadas e, mesmo a partir de algumas garantias conquistadas na Constituição Federal de 1988 foram, na década seguinte esfaceladas. Assim, a partir do governo Collor, mas especialmente aprofundo no governo Fernando Henrique Cardoso e, dando continuidade no governo Lula, direitos adquiridos deixam de fazer parte do ideário de luta sindical ou, pelo menos, não é prioritário. Ou seja, a organização sindical brasileira, perdeu o rumo da luta contra o capital e, manteve-se, sem muito resultado, concentrada em seus efeitos.


A lógica neoliberal de exclusão social extinguiu milhares de empregos intensificando a divisão do trabalho. Especialmente a partir da década de 1990, a luta do trabalhador estaria centrada em se manter no trabalho, abandonando qualquer perspectiva de ganho real de salários e, indubitavelmente, teve que aceitar como inevitável a lógica de exploração e dominação. Note-se que se houve, de um lado, intensificação da exploração, de outro, manteve-se e até foram elevados os ganhos com a exploração do trabalho por parte dos capitalistas. Estes seguros de sua força buscaram extinguir o chamado “estado de estar social,” aonde, de certa forma, admitia que os trabalhadores pudessem possuir certos direitos. No Brasil, medidas nesse sentido vão ser tomadas a partir do governo Vargas, com férias, décimo terceiro, salário mínimo e, garantias de organização sindical. Esta, através de coação a lideranças e, amplo jogo político de orientação populista que, entre outras coisas, utilizava-se do poder midiático e das condições precárias dos trabalhadores, foi constantemente perseguida, cooptada, burocratizada.

Se as condições objetivas da época dificultavam reações que pudessem colocar em xeque o processo de institucionalização sindical e, nos pequenos intervalos de “democratização” do país, não teria sido possível a conquista de direitos que efetivamente beneficiassem os trabalhadores, as quase duas décadas pós CF/88, parecem apontar para retrocessos na organização sindical. Ou seja, direitos conquistados a duas penas, inclusive com redimensionamento por parte da classe patronal para a satisfação de seus interesses, estão sendo continuamente abandonados.


Sob a lógica da democracia sindical imposta aos trabalhadores, estes passam a negociar com a classe patronal numa suposta igualdade de condições. Em épocas de crises, os trabalhadores são chamados a “salvar” o capitalismo ou o seu emprego, aceitando as condições do capital. Essa situação não seria nova, pois desde o processo de criação das organizações sindicais, quando os capitalistas estão em risco de perder riquezas, clamam a união do capital e do trabalho. Marx enfatizou que ao diminuir a riqueza da sociedade, o trabalhador é mais sacrificado e, se a riqueza aumenta, mesmo sendo favorável aos trabalhadores devido aumentar a concorrência entre os capitalistas por trabalhadores, estes, quanto mais desejam ganhar, têm que sacrificar sua própria vida, abreviando-a a serviço do capital (MARX, 2001:67). Não seria nova, também, a visão sindical que visa fortalecer o capital esperando supostos benefícios, acreditando no aperfeiçoamento do capital, como vimos acima. E, também, não seria nova a forte adaptação de lideranças sindicais aos ditames do capital, o que Lênin chamou em “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” de oportunistas justamente por abandonar a luta contra os capitalistas e o capital colocando-se contra os trabalhadores, seria semelhante aos atuais social-democratas em quaisquer de suas vertentes. Ou seja, não teríamos o que estranhar, pelo menos do ponto de vista histórico, que entendidas sindicais abandonem a luta revolucionária para além do capital e se concentre em lutas imediatistas. O que pode ser considerado estranho, no Brasil, é certa homogeneidade entre as organizações sindicais que, dentre outras coisas, e partir das constantes perdas salariais, direitos trabalhistas solapados, aumento da miserabilidade etc., passem a aceitar que tais conquistas possam ser “naturalizadas” sob a visão da necessária manutenção da vida. São inadmissíveis tais atitudes, tendo em vista que a vida não está sendo preservada. Ao contrário, são constantes as investidas para a sua subordinação aos interesses capitalistas e, o inegável abando de milhares de trabalhadores a própria sorte sem sequer apoio de organizações sindicais. Abandaram-se, sob a desculpa da urgência da manutenção do trabalho, formas de conscientização de classe. A própria greve, vista por Marx como local privilegiado de “educação de classe” não pôde regulamentada após a CF/82 e, ficou a mercê de juízes que julgam “serviços essenciais” geralmente decretando a ilegalidade do ato.

Na ânsia de aumentar o controle dos trabalhadores, capitalistas impõem ao chamado Estado de Direito, seus interesses. Assim, importantes medidas estão sendo continuamente aprovadas, a exemplo, da pulverização da organização sindical objetivando ampliar as divergências entre os trabalhadores; comunicar a classe patronal a possível existência de greve; cabendo ao empregador estabelecer o que seria serviço essencial (não podendo realizar greves); Estado com o poder de julgar a greve como abusiva, inclusive podendo estabelecer multas ou intervir nos sindicato; centraliza o poder das decisões nas centrais sindicais, geralmente afastadas de suas bases; mantém a estrutura de financiamento e custeio das entidades. Este último, geralmente utilizado para ações clientelistas de feições assistencialistas, não é fruto da necessária manutenção dos sindicatos, reconhecida pelos trabalhadores, mas ao instituir a contribuição negociada, também, impulsiona a formação do sindicalismo de resultados sob a lógica do mercado.


Como conseqüência, percebemos o afastamento dos trabalhadores das organizações sindicais e, quando muito, a participação de ocasião, aquela que não conseguindo mais perceber a importância da luta sindical, não se desvincula do sindicato por ainda entender que, pelo menos, não estaria completamente desprotegido. E, outra modalidade, centrada no abandono de formas de lutas, aceitando ideologicamente, a inevitabilidade do capital e, portanto, a não luta. A greve passa a ser criticada, por vezes condenada como se fosse o grande mal. Trabalhadores amedrontados não conseguem perceber a necessidade de resistência, tendo em vista que resistir significa morrer ou ser colocado no eterno exército de reserva. As organizações sindicais comumente são colocadas no ostracismo político e, a organização por fábrica (não sob a orientação dos trabalhadores, mas do ponto de vista patronal), passa a ser a democracia patronal, ou seja, aquela que apenas deve existir fora do local de trabalho. Nesse clima de emulação política, os trabalhadores atônitos passam a aceita todo e qualquer tipo de humilhação no trabalho, extensas jornadas, perdas de férias (ou sua troca por mais trabalho), redução da jornada de trabalho (quando não é conveniente para o capital) objetivando especialmente a redução de salários. Os capitalistas perceberam que é possível fazer tudo, só resta saber até quando.



ANTUNES, R L.C. O que é sindicalismo. 16 ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Primeiros Passos)
ANTUNES, R. L. C A rebeldia do trabalho. São Paulo: Ensaio, 1998
LÊNIN, V. I. Esquerdismo: a doença infantil do comunismo. In: Obras Escolhidas em três tomos. São Paulo: Alfa-Omega,v.3. 1979.
LÚCIO, A. B. A ação sindical dos trabalhadores rurais a partir da década de 1970: as campanhas salariais dos canavieiros de Alagoas. Campina Grande/PB: UFPB, 2003.
MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã (Feuerbach). Tradução de José Carlos Bruni e Marco Aurélio Nogueira. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.
MARX, K. e ENGELS, F. O Manifesto do partido Comunista. 9 ed. São Paulo: Global, 2000. (Coleção universidade popular).
MARX, K Manuscritos econômicos e filosóficos. Tradução de Alex Marins. Martins Claret, 2001.



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