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sábado, 31 de dezembro de 2011

AS DIFICULDADES DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA EM UMA ESCOLA DO (NO) CAMPO NO ESTADO DE ALAGOAS: O PAPEL DA ESCOLA NA SOCIEDADE CAPITALISTA


SANTOS, Erinaldo da Silva & LUCIO, Antonio Barbosa. As dificuldade de ensino de língua portuguesa em uma escola do(no) campo no estado de Alagoas: o papel da escola na sociedade capitalista.UNEAL/NEASR,2011(Trabalho apresentado no II Seminário de Pesquisa em Educação do Campo de 16 a 18/11/2011/UFSC e no I Encontro de Inciação Científica da UNEAL de 7 a 11/11/2011). 

Erinaldo da Silva Santos[1]

Prof. Orientador: Msc. Antonio Barbosa Lúcio[2]

Universidade Estadual de Alagoas-UNEAL





RESUMO

Este trabalho tem por objetivo identificar e analisar fatores que dificultam o processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa em uma escola do (no) campo no estado de Alagoas. Visando concretizar o objetivo deste trabalho realizamos pesquisa bibliográfica e de campo. Na pesquisa bibliográfica foram utilizados dados de órgãos governamentais e também a literatura que trata da educação e da educação do camponês, a exemplo, autores como Arroyo (2009) e Caldart (2009). Quanto ao ensino de português, valemo-nos de estudos como os de Bortoni-Ricardo (2004) e Soares (2008). A pesquisa de campo foi realizada em uma escola do município de Junqueiro/AL com acompanhamento sistemático de aulas por um período de seis meses e entrevista com duas professoras e seis alunos. Como resultado, constatou-se que fatores externos a escola, a exemplo, do não comprometimento do poder público com a educação do camponês e; fatores internos, centrados no preconceito linguístico e em uma visão estruturalista de língua, acentuam as dificuldades de aprendizagem em Língua Portuguesa e, mais que isso, fortalecem os mecanismos de exploração, exclusão e dominação do camponês que, dentre outras coisas, não consegue o domínio da língua enquanto ferramenta social e de contraposição aos valores hegemônicos da sociedade.

Palavras-chave: Escola camponesa; Língua portuguesa; Sociedade capitalista.



Abstract

This work aims to identify and analyze factors that make difficult the process of teaching-learning of the Portuguese Language in a field school in the State of Alagoas. Aiming to realize the goal of this work we carried out literature and field research. In the literature research we used data of government agencies and also the literature that deal with education and of the peasant education as example, authors such as Arroyo (2009) and Caldart (2009). As for the Portuguese teaching, we made use of studies like those of Bortoni-Ricardo (2004) and Soares (2008). The field research was carried out in a school in the town of Junqueiro-AL, with systematic monitoring of lessons for a period of six months and interviews with two teachers and six students. As a result was found that external factors like, no commitment of the public power with the peasant education and internal factors focused on language prejudice and in a structuralist view of language, emphasize the difficulties of learning Portuguese Language, and more than that, strengthen the mechanisms of exploitation, exclusion and domination of the peasant who, among others things, do not get the language domination, as a social tool and of opposition to hegemonics values of the society.

Keywords- Peasant School, Portuguese Language, Capitalist society.



Introdução.



Este trabalho tem por objetivo identificar e analisar fatores que dificultam o processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa em uma escola do (no) campo no estado de Alagoas. A educação oferecida à população camponesa, no Brasil, está bem distante de ser considerada adequada, se em escolas urbanas a qualidade e as condições de ensino-aprendizagem deixam a desejar, em escolas situadas no campo a situação tende a ser ainda mais problemática. Assim, este estudo partiu do seguinte questionamento: que fatores dificultam o processo de ensino-aprendizagem no ensino de Língua Portuguesa em escolas camponesas? Visando concretizar o objetivo deste trabalho, realizou-se pesquisa bibliográfica e de campo. Durante a realização da pesquisa nos orientamos pelo método qualitativo que tem por objetivo interpretar o fenômeno em análise através da observação, descrição e compreensão da realidade pesquisada (GATTI; ANDRÉ, 2010). Adotamos este método, por sua ampla utilização em pesquisa nas Ciências da Educação, por proporcionar uma maior proximidade entre o pesquisador e o fenômeno que deseja investigar.

Na pesquisa bibliográfica foram usados dados de órgãos governamentais e também a literatura que trata da educação e da educação do camponês, a exemplo, autores como Arroyo (2009), Caldart (2009). Quanto ao ensino de português, valemo-nos de estudos como os de Bortoni-Ricardo (2004) e Soares (2008). A partir da visão destes autores foi possível perceber relações entre a língua enquanto veículo de produção do conhecimento, seu papel na escola no campo e o desta na sociedade capitalista. A pesquisa de campo foi realizada em uma escola do Município de Junqueiro/AL com acompanhamento sistemático de aulas por um período de seis meses e com a realização de entrevistas com 6 (seis) alunos(as) e de duas professoras de Língua Portuguesa.

Como resultado, constatou-se que fatores externos à escola, a exemplo, do não comprometimento do poder público com a educação do camponês, e fatores internos, centrados no preconceito linguístico e em uma visão estruturalista da língua, acentuam as dificuldades de aprendizagem e, mais que isso, fortalecem os mecanismos de exploração, exclusão e dominação do camponês que, dentre outras coisas, não consegue o domínio da língua enquanto ferramenta social de contraposição aos valores hegemônicos da sociedade.



1.0 Uma escola para o povo ou contra o povo? A educação camponesa e o mundo capitalista.



O discurso por uma educação popular é muito antigo no Brasil, mesmo antes da proclamação da República, Rui Barbosa, em 1882, já denunciava as péssimas condições da educação brasileira (SOARES, 2008). Este fato evidencia que o discurso em defesa de uma educação de qualidade para o povo não é recente, parece-nos, entretanto, que apesar de existirem denúncias acerca das péssimas condições da educação, a situação tende a ser continuamente preservada.

A educação camponesa historicamente sempre foi relegada ao segundo plano, sendo alvo de políticas compensatórias. Apesar de o Brasil durante muito tempo ser um país eminentemente rural, a população do campo sempre dispôs de uma educação de qualidade duvidosa, tanto que, a questão sequer recebeu um tratamento nos textos constitucionais até 1934. Nesta constituição, pela primeira vez em nossa história, mencionou-se à educação rural, contudo, esta era constituída a partir do modelo de dominação da elite latifundiária (FERNANDES, 2009). Assim, percebemos que a educação camponesa esteve/está fortemente ligada aos interesses da classe dominante.

O oferecimento de educação aos povos do campo esteve/está diretamente ligado a interesses capitalistas. Assim, até a década de 1960, deixava-se o camponês sem escola, como forma de fortalecer o êxodo rural e a manutenção de trabalhadores sem a necessária qualificação profissional. Em décadas mais recentes, com a necessidade de conter a migração de camponeses para a cidade, pois o capital necessita de um mínimo de trabalhadores no campo, a educação passa a ser uma forma de conter o êxodo rural, além de uma maneira de continuar subjugando a classe empobrecida que vive no campo.

A oferta de educação aos povos do campo surge também como resultado das intensas lutas por educação; a população passa a exigir e pressionar o Estado em busca de melhores condições educacionais. “A escola pública não é como erroneamente se pretende que seja, uma doação do Estado ao povo; ao contrário, ela é uma progressiva luta pela democratização do saber através da democratização da escola (SOARES, 2008: 9)”. Contudo, o processo de ampliação do número de escolas no campo quantitativamente, não significou que fosse possibilitada qualidade ao ensino do camponês, o que evidencia o interesse da classe dominante de privar o trabalhador do campo de meios que lhe possibilite contrapor as desigualdades que permeiam a sociedade.

Se a educação brasileira oferecida à classe pobre urbana é de qualidade duvidosa, a que é oferecida ao camponês geralmente é pior. A escola camponesa dispõe de infraestrutura bastante precária, apresentando poucos recursos para o auxilio a prática pedagógica. Segundo dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD, em 2005, apenas 5% das escolas situadas no campo dispunham de biblioteca, menos de 1 % contava com laboratórios de ciências e informática e acesso a internet (SECAD, 2007). O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, em estudo publicado em 2007, também evidencia as dificuldades vivenciadas pela escola camponesa. Conforme dados do INEP,

as escolas rurais apresentam características físicas e dispõem de infra-estrutura bastante distinta daquelas observadas nas escolas urbanas. Em termos dos recursos disponíveis, a situação das escolas da área rural ainda é bastante precária (...), serviços e insumos básicos presentes na maioria das escolas urbanas são escassos ou inexistentes nas escolas rurais. (INEP, 2007: 29).

Diante da situação acima exposta, percebemos que mesmo com um discurso em favor de uma educação de qualidade para todos, ainda estamos muito distante de ter uma educação considerada adequada. Além disso, infere-se dos dados sobre a educação no campo que mesmo a Constituição Federal (CF/1988) assegurando em seu artigo 5º educação como um direito de todos e um dever do Estado, parece-nos que este direito não vem sendo cumprido com plenitude, uma vez que acreditamos que este direito somente se efetivará com o oferecimento dos recursos necessários ao pleno exercício do processo de ensino-aprendizagem, com o reconhecimento e valorização da escola camponesa com um lugar propício ao desenvolvimento da qualidade de vida das pessoas que vivem no campo.

Além da pouca disponibilidade dos recursos ofertados às escolas no campo e da precariedade do que é ofertado, é necessária à ampliação da quantidade das escolas, pois é cada vez mais necessário superar o “ciclo vicioso” que leva os alunos a saírem do campo para estudar e de estudar para sair do campo (CALDART, 2009). A superação deste “vício” somente será possível quando, além da melhoria das condições de funcionamento da escola, sejam realizados investimentos no desenvolvimento da localidade onde está inserida, afinal, não se pode desconsiderar o papel do contexto social no resultado obtido pelo processo educacional.

Segundo INEP (2007) uma questão crucial a ser considerada com relação ao baixo desempenho do ensino em escolas no campo está diretamente relacionada a dois fatores: o capital sociocultural que os alunos trazem e a qualidade da oferta do ensino. Caldart parece corroborar com esta visão ao afirmar que

não há escolas do campo num campo sem perspectiva, com um povo sem horizontes e buscando sair dele. Por outro lado, não há como implantar um projeto popular de desenvolvimento do campo sem um projeto de educação e sem expandir radicalmente a escolarização para todos os povos do campo. E a escola pode ser um agente muito importante de formação da consciência das pessoas para a própria necessidade de sua mobilização e organização para lutar por um projeto deste tipo (CALDART, 2009: 107).

Deste modo, verificamos que é preciso além do oferecimento de um ensino de qualidade pensado para a realidade camponesa, o desenvolvimento de projetos voltados ao desenvolvimento social, pois apesar de a escola ser um meio para a democratização da sociedade, ela sozinha não conseguirá superar os problemas enfrentados pelo aluno do campo. Assim, o desenvolvimento de um projeto popular, nacional, para o campo necessariamente abarcará um projeto de educação básica pensada para esta realidade (ARROYO, 2009).



Diante do exposto, percebe-se que ainda são necessários muitos investimentos destinados ao desenvolvimento de uma escola no campo, do campo e para o campo, pois mesmo diante do direito a uma educação de qualidade para todos, já instituído em lei, na prática muito pouco está sendo feito pelos povos camponeses. Neste contexto, necessitamos de uma escola para o povo e não contra ele, de uma escola que vá além de práticas populistas que vem sendo continuamente reeditadas na sociedade brasileira.



2.0 A educação camponesa em Alagoas: análise das condições de ensino-aprendizagem em uma escola do (no) campo.



Durante a realização de pesquisa em uma escola do (no) campo no estado de Alagoas, foi possível constatar dificuldades enfrentadas por professores e alunos. A escola pesquisada fica em Junqueiro/AL, cidade localizada a 86,092 km da capital alagoana, Maceió. O município de Junqueiro possui 36 escolas públicas de ensino fundamental e uma população de 23.836 habitantes dos quais 16. 033 (67,2%) vivem na zona rural e 7.803 (32,8%) vivem na zona urbana (IBGE, 2011). Sendo um município eminentemente rural, oferece o segundo ciclo do ensino fundamental (6º ao 9º anos) em apenas dois povoados, nos demais, os alunos, depois de concluir o primeiro ciclo do ensino fundamental, são transportados para a cidade. Segundo a SECAD, o processo de deslocamento destes alunos para a cidade tem como consequência sua estigmatização por parte dos colegas da cidade e, consequentemente, a redução de sua autoestima, com prejuízos para desenvolvimento escolar e pessoal, acarretando altas taxas de evasão e abandono (SECAD, 2007).

A escola estudada fica na zona rural do município, atende a aproximadamente 1071 alunos nos dois ciclos do ensino fundamental, possui 16 salas de aula, sala de vídeo, biblioteca, laboratório de informática com 15 computadores com acesso à internet, 41 professores, 24 funcionários de apoio. No ano de 2010 obteve média 3 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, 739 alunos foram aprovados, 129 reprovados e 20 estão no sistema de progressão[3].

Durante o período da pesquisa de campo, pode-se constatar que o ensino desenvolvido segue um modelo feito para a cidade em que são desconsideradas as especificidades do aluno do campo, o calendário escolar e os conteúdos são “impostos” por um modelo “urbanocêntrico”. A SECAD destaca bem esta situação ao afirmar que, em 2007, não havia, no Brasil, políticas públicas voltadas para educação camponesa. Segundo este órgão governamental, “a visão urbanocêntrica, na qual o campo é encarado como lugar de atraso, meio secundário e provisório, vem direcionando as políticas públicas de educação do Estado brasileiro (SECAD, 2007:13)". A educação camponesa seguindo um modelo feito para a cidade contribui para a exclusão do camponês do acesso ao conhecimento. Giroux (1992) reconhece que os alunos que provêm de diferentes contextos requerem um modelo de escola pensado para sua realidade, que valorize suas experiências e respeite suas práticas linguísticas e culturais.

O oferecimento de recursos como biblioteca, sala de informática com acesso à internet, sala de vídeo, na escola pesquisada, é um fator a ser destacado, uma vez que, como apontado pelos dados do INEP (2007) e da SECAD (2007), grande parte das escolas camponesas não dispõe de tais benefícios. Contudo, é importante que reflitamos de que maneira estes recursos estão sendo utilizados para a promoção do desenvolvimento educacional. O oferecimento de tais recursos a professores e alunos sem a devida capacitação está sendo, antes, utilizado como um meio de exclusão do que de inclusão, pois é evidente que da forma como vêm sendo disponibilizados não vêm contribuindo plenamente para o processo de aprendizagem. O discurso da professora “A” evidencia esta situação quando esta afirma que

... mediante hoje uma tecnologia né... que infelizmente que ao procurá essa nova tecnologia eles (os alunos) nem sempre vão atrás de alguma coisa relacionada à escola, quer dizê, que é bom ao mesmo tempo também é ruim[...] como ôtro dia eu fui na sala de informática, tinha uma criança lá... não era meu aluno a criança...  e ele tava, assim, olhando e começou a rabiscá umas coisas e eu falei: agora você sabe que letras são essas que você [...] digitou. Aí ele baixô a cabeça... aí eu disse: tá vendo que num adianta você hoje ter tanta tecnologia né ... só que eu num falei assim pra ele, mais falo pra os meus alunos... o que é que adiante hoje tê uma tecnologia tão grande  e você num sabê, nem ter como ter acesso a ela, que se você não souber lê não adianta de nada (professora “A” de português, em 05/08/2011).

Diante do discurso da professora “A”, percebemos que as novas tecnologias que poderiam ser utilizadas para o desenvolvimento educacional, estão, em verdade, sendo pouco utilizadas para este fim. As pressões em favor de uma educação de qualidade vêm resultando na disponibilização de mais recursos para a escola, contudo, isto não significa que se está melhorando a qualidade do ensino. O discurso da professora “A” revela o lado perverso da globalização, mesmo com uma gama de possibilidades de conhecimento ofertados pela internet, os alunos se “desviam” (são em verdade “desviados”) da busca de um conhecimento reflexivo.

O professor que ensina em escolas no campo sofre com a falta de capacitação e com sobrecarga de trabalho. Este último fator foi apontado como um obstáculo a um melhor desempenho docente. Quando questionada sobre o que poderia ser feito para um melhor desempenho, a Professora “B”, afirmou que o horário para estudo e preparação das aulas “teria que ser pelo menos um terço das aulas e não acontece isso. A nossa carga horária [...] é muito grande na escola e o tempo que sobra é muito pouco para o planejamento das aulas e correção das atividades (Professora “B” de língua Portuguesa, em 28/ 07/2011).” O baixo salário recebido também foi citado como um empecilho ao trabalho docente. Acerca disto a professora “A” afirmou:

A gente não pode fugir da nossa realidade né... infelizmente tem professores que nem que recebesse um milhão talvez não quisesse melhorar a sua prática, porém a gente sabe que o dinheiro afeta... e a gente sabe, que a gente não é compensado por esse lado. Então, infelizmente nos atinge de uma certa forma, porque somos seres humanos [...] precisamos no final do mês pagar nossas contas... né e infelizmente desestimula bastante [...] a questão financeira atrapalha um pouco (Professora “A” de Língua Portuguesa, em 05/08/2011).

O discurso das professoras revela as dificuldades enfrentadas e reforça a necessidade de se repensar o modelo de educação que está sendo oferecida aos povos do campo. A desvalorização dos professores, neste contexto, soma-se à desvalorização da cultura, das crenças, da língua, da escola e do próprio camponês na sociedade capitalista. Se anteriormente o Estado brasileiro excluía os pobres negando-lhes o acesso à escola, hoje, passa a fazê-lo dentro da própria escola, mediante condições inadequadas de ensino-aprendizagem e da privação do acesso ao conhecimento.

Durante pesquisa, fato que chamou a atenção foi a grande quantidade de alunos em algumas turmas (em média 48). O discurso da professora “B” retrata bem esta situação. Quando questionada sobre as dificuldades de ensino na escola ela disse que “o principal problema são as salas pequenas e a grande quantidade de alunos, porque nos sextos / nos sétimos anos, por exemplo, tem uma sala de aula pequena que só comportaria 35 alunos, no entanto, agente tem 48 (Professora “B” de Português, em 28/07/2011).” A grande quantidade de alunos é resultado da nucleação das escolas no campo. Os governantes, movidos pelo interesse de reduzir gastos, passam a transferir os alunos para escolas-polo, isto além de contribuir para o distanciamento do aluno de sua realidade, ocasiona problemas ao processo de aprendizagem.  

As entrevistas com os alunos revelaram um pouco da realidade do ensino do campo, alguns dados chamam bastante atenção: dos alunos entrevistados 83,3% já haviam sido reprovados pelo menos um ano; 50% afirmaram que trabalhavam; 83,3% recebem auxílio do programa Bolsa Família; 83,3 % apresentavam distorção na relação idade-série de pelo menos um ano; 83,3% afirmaram que gostariam de estudar na cidade; 66,6 afirmaram acreditar que a escola da cidade é melhor do que a do campo; 100% dos pais dos alunos não haviam chegado ao ensino médio, sendo que 50% estão na faixa que vai de 1ª a 4ª série.

O trabalho infantil de cerca de 50% dos alunos revela um problema antigo que ainda continua bastante presente na realidade brasileira, pois mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) determinando a proibição do trabalho infantil, este ainda é realidade nas mais diversas partes do Brasil, atingindo índices mais elevados nos habitantes do campo. Conforme dados do IBGE, os alunos do campo vivenciam desde cedo a realidade do trabalho. Em 2003, das crianças de 5 a 9 anos que trabalhavam no Brasil, 80% realizavam atividades agrícolas (IBGE, 2003). Este fato revela a falta de comprometimento do poder público com o desenvolvimento do campo. O próprio artigo 28º da LDB/96 merece uma reflexão, pois quando determina que “o calendário escolar deva ser adequado ao ciclo agrícola (LDB, 1996)”, levando-nos, de certa forma, a inferir que o calendário deve ser adequado para que os alunos não tenham seu rendimento escolar prejudicado por terem que trabalhar. O que evidencia que o próprio governo, na legislação educacional, parece ser favorável ao trabalho infantil do camponês.



2.1 As dificuldades de ensino de Língua Portuguesa em uma escola do (no) campo no estado de Alagoas.



No contexto das discussões apresentadas acima, insere-se o ensino de Português, pois é importante que reflitamos sobre a relação da escola com a cultura linguística do aluno camponês. O fracasso dos empobrecidos do campo que antes ocorria por estar fora da escola, agora acontece dentro dela. Segundo Soares (2008) grande parte das dificuldades de aprendizagem dos alunos, na escola, se dá devido ao conflito entre a língua que a escola legitima como modelo (inspirada na classe dominante e a serviço dela) e a língua das camadas populares. O tipo de ensino de português praticado parece compactuar com este conflito quando dedica grande parte da aula à transmissão de regras gramaticais, acreditando que isto é suficiente para o desenvolvimento comunicativo do aluno.

Quando questionada sobre a importância do ensino de português a professora “B” revelou que era importante para que seus alunos aprendessem a falar e escrever “bem”. Em seguida, quando questionada se seus alunos sabiam o português ela respondeu que não. Este fato parece evidenciar uma visão de que os alunos chegam à escola com uma língua que não serve, que deve ser substituída por uma “melhor”. A utilização da língua na escola torna mais clara as relações de poder que dividem a sociedade e geram discriminações e fracasso, isso porque os alunos que utilizam variedades linguísticas estigmatizadas sofrem preconceito e isso os leva a dificuldades de aprendizagem, pois a escola usa e quer ver usada a variedade-padrão socialmente prestigiada (SOARES, 2008).

O ensino centrado na gramática faz com a escola desconsidere a forma de falar do aluno proveniente das classes desfavorecidas, e assuma a função de dá ao aluno uma nova língua. O discurso da professora “B” parece compactuar com esta posição. Quando questionada sobre como lidava com variantes não abonadas pela gramática normativa ela afirmou que:

eu já corrigi colocando no quadro e mostrando a diferença da linguagem culta e da linguagem coloquial, para que ele perceba a diferença, que quando a gente estuda, a gente precisa melhorar o nosso vocabulário. Mas eu sempre coloco mesmo que o conteúdo não esteja preestabelecido, aí eu começo a colocar aquele conteúdo para o aluno (Professora “B” de Língua Portuguesa, em 28/07/2011).

A escola impõe a criança proveniente das camadas populares uma língua tida como boa, bonita, digna de ser aprendida e, descarta a variedade linguística com que o aluno chega a ela. O discurso acima revela bem essa situação, duas palavras proferidas pela professora retratam qual é, supostamente, o seu papel: “corrigi” e “melhorar” a língua dos alunos. A escola é o local em que as diferenças se transformam em deficiências, em que a língua da classe pobre é tida como “inferior”, “feia” e a da classe rica “bela”, “bonita”, digna de ser aprendida. Os alunos evidenciaram esta situação quando questionados sobre a importância de estudar português. Vejamos o que eles afirmaram:

ela ensina muita coisa pra gente aprender, ensina a gente falar direito a língua correta... e muitas coisas (aluna “A” do 8º, em 22/06/2011).

a importância da língua é porque a gente aprende bastante coisa, é lê melhó, interpreta as coisa melhó, não falá as coisa bastante errada (aluna “A” do 7º, em 07/07/2011).

Estes discursos evidenciam que a escola trata a língua a partir de uma dicotomia, ou se está certo ou errado. Deste modo, não se está apenas avaliando a forma de falar da pessoa e sim a própria pessoa. Por esse motivo, é que a forma de falar do camponês é desconsiderada no ambiente escolar, fazendo como que a escola seja um ambiente excludente e preconceituoso, em que quem fala diferente é vítima de todo tipo de preconceito. Alguns alunos confirmam esta situação ao firmar que

... quando eu era novo, eu tava começando a estudar aí eu falava meio errado puxando um sotaque baiano aí eles ficavam magando (aluno “B” do 7º, em 07/07/2011).

Muitas pessoas falam errado, mais tem outras que falam melhor que já sabem a forma de falar (aluna “A” do 8º ano, em 22/06/2011).

Porque, assim, a da cidade (as pessoas), às vezes, fala mais direito do que as do campo. As do campo já pensam outra coisa e cidade já têm outra (aluna “C” do 7º, em 07/07/2011).

Segundo Bortoni-Ricardo, “essas crenças sobre a superioridade de uma variedade de falar sobre os demais é um dos mitos que se arraigaram na cultura brasileira. Toda variedade regional ou falar é, antes de tudo, um instrumento identitário, isto é, um recurso que confere identidade a um grupo social (BORTONI-RICARDO, 2004: 33)”. O discurso da autora reforça a necessidade de a escola respeitar o saber linguístico e a cultura do aluno, mostrando a diversidade de falares que existem no Brasil. Nesta perspectiva, a aula de português é um dos momentos para enriquecer o vocabulário do aluno.

O ensino de português na escola pública no Brasil, apesar de esta se dizer pública, é antes contra o povo do que para ele, pois sendo a língua uma forma de participação social, a escola tende a manter a classe empobrecida à margem do acesso ao conhecimento. Os PCNs apontam que

o domínio da língua tem estreita relação com a possibilidade de plena participação social, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha e constrói visões de mundo, produz conhecimento. Assim, um projeto educativo comprometido com a democratização social e cultural atribui à escola a formação e a responsabilidade de acesso aos saberes lingüíticos necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (BRASIL, 1998:25).

Embora os PCNs chamem atenção para a relação entre o ensino de português e democratização social, parece que a escola vem promovendo, antes, exclusão do que inclusão da classe pobre. Isto é evidenciado pelas péssimas condições enfrentadas na escola camponesa, pois em meio a poucos recursos, baixos salários, a salas superlotadas, como pode o professor formar alunos aptos a atuar nas diversas situações de uso da língua.

Assim, percebemos que embora, atualmente, exista um discurso em favor de novas formas de encarar o ensino-aprendizagem de língua materna, tudo leva a crer que estamos novamente ficando somente no discurso. Na prática, o que percebemos são atitudes ultrapassadas vestidas com discursos progressistas, e talvez seja esse um dos grandes desafios a ser enfrentado no ensino de Língua Portuguesa no Brasil: aplicar efetivamente as evoluções da Ciência Linguística em sala de aula. Contudo, para que isso ocorra é necessário repensar o modelo de sociedade e consequentemente de escola que vem sendo oferecido aos povos do campo.



Considerações finais.



Diante das observações realizadas podemos constatar o quanto a educação oferecida aos povos do campo é extremamente insatisfatória, como são poucos os recursos ofertados e como professores e alunos enfrentam grandes dificuldades para a produção do conhecimento. Assim, verificamos que a escola é na sociedade atual um local de exclusão de reprodução das desigualdades sociais. Mesmo com discurso em favor da democratização do saber através da democratização da escola, ainda estamos bem distantes de ter uma educação considerada de qualidade em escolas no campo.

Logo, verificamos que o não comprometimento do poder público com a educação do camponês está diretamente relacionado ao interesse de privá-lo do acesso ao conhecimento, para que este desconheça seus direitos e continue à margem dos meios para a contestação das desigualdades sociais. Neste contexto, práticas centradas no preconceito linguístico e em uma visão estrutural da língua, acentuam as dificuldades de aprendizagem, fortalecem os mecanismos de exploração, exclusão e dominação do camponês que não consegue o domínio da língua enquanto ferramenta social de contraposição aos valores hegemônicos da sociedade.

Neste momento, temos como resposta para o questionamento que encabeça a primeira parte deste estudo, que a escola ofertada aos povos campesinos é antes contra eles do que para eles, isto porque, verificamos que a falta de recursos, o baixo salário e a sobrecarga de trabalho dos professores só contribuem para um modelo de escola inadequado e excludente.

Desta maneira, o oferecimento de uma educação aos povos do campo passa pelo reconhecimento e valorização de sua cultura e língua. Neste sentido, é necessário o respeito às diferenças e o reconhecimento do campo não mais como um lugar de atraso, mas como um ambiente riquíssimo culturalmente que requer maior atenção e um projeto de desenvolvimento local. Escola e desenvolvimento social devem caminhar lado a lado sendo um dependente do outro, pois, como acima citado, “não há escolas do campo num campo sem perspectiva, com um povo sem horizontes e buscando sair dele. Por outro lado, não há como implantar um projeto popular de desenvolvimento do campo sem um projeto de educação (CALDART, 2009: 107)”. Desta forma, qualquer proposta que não leve em consideração estes dois fatores estará apenas continuando com a escola do faz de conta que vem sendo oferecida à classe pobre na sociedade brasileira.



Referências.



ARROYO, Miguel Gonzalez. A educação básica e o movimento social do campo. In: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. (orgs.) Por uma educação do campo. 4 ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009.

BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. 6 ed. São Paulo; Parábola Editorial, 2009.

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais em língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

_______ Congresso Nacional. LDB – Lei de Diretrizes e Bases de da Educação Nacional. Brasília, 1996.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Diretrizes de uma caminhada. In: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. (orgs.) Por uma educação do campo. 4 ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009.

CALDART, Roseli Salete. A escola do campo em movimento. In: ARROYO, Miguel Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Castagna. (orgs.) Por uma educação do campo. 4 ed. Petrópolis – RJ: Vozes, 2009.

GATTI, Bernardete; ANDRÉ, Marli. A relevância dos métodos de pesquisa qualitativa em educação no Brasil. In: WELLER, Wivian; PFAFF, Nicolle (orgs.). Metodologias da pesquisa qualitativa em educação: teoria e prática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.

GIROUX, Henry. A escola crítica e a política cultural. 3 ed. São Paulo: Cortez, 1992. (Polêmicas do nosso tempo)

INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Junqueiro-AL: dados básicos. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1>. Acessado em: 20 de agosto de 2011.

INSTITUTO Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP. Panorama da educação no campo. Brasília/DF: MEC, 2007.

SECRETARIA de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade-SECAD. Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Brasília/DF: MEC, março de 2007(Cadernos SECAD 2).

SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. 17 ed. São Paulo: Editora Ática, 2008. (Série fundamentos)





[1]Graduando do 7º período de Letras Português/Francês e Bolsista voluntário do Núcleo de Estudos Agrários e Movimento Sindical Rural em Alagoas-NEASR/UNEA/FAPEAL.
[2]Professor de Sociologia da Universidade Estadual de Alagoas-Campus I.
[3] Neste sistema, os alunos que não conseguiram a média (no município analisado 6), em alguma disciplina, são aprovados para a série seguinte, tendo, contudo, que cursar, no ano seguinte, além da série para a qual foram aprovados, as disciplinas que não conseguiram a média na série anterior.

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