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sábado, 31 de dezembro de 2011

A EDUCAÇÃO NO CAMPO: UMA INVESTIGAÇÃO ACERCA DAS CONDIÇÕES DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA PORTUGUESA EM UMA ESCOLA SITUADA NA ZONA RURAL


SANTOS, erinaldo da Silva & LIMA, Fabrício Oliveira. A educação no campo: uma investigação acerca das condições de ensino-aprendizagem de língua portuguesa em uma escola situada na zona rural.UNEAL/NEASR(Trabalho apresentado no V Encontro de Pesquisa em Educação em Alagoas - V EPEAL de 31/08 a 03/09 de 2010 na UFAL/ISSN 1981-3031 e, no I Encontro de Pesquisa Científica em 18/08 2010 na UNEAL campus IV).

Erinaldo da Silva Santos(UNEAL)[1]

erinaldo15@yahoo.com.br

Fabrício Oliveira de Lima(UNEAL)[2]


Prof. Orientador Msc.Antonio Barbosa Lúcio(UNEAL)[3]


Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL)





RESUMO



Este trabalho propõe analisar e discutir o desenvolvimento e a atual situação da educação no campo, em Língua Portuguesa, em uma escola do ensino fundamental do Município de São Sebastião/AL. Tomamos por base, dados de pesquisa em uma escola rural do povoado Lagoa Seca. Inicialmente traçaremos um esboço histórico da educação no campo para em seguida evidenciar a situação encontrada durante a realização da pesquisa. No decorrer deste trabalho serão discutidos aspectos legais instituídos pela constituição de 1988, pela LDB e por textos teóricos sobre a educação em geral e no campo. O intuito da discussão é observar a relação entre os preceitos legais voltados para a educação e a promoção humana e sua possível aplicabilidade à realidade apresentada na pesquisa. Após as observações realizadas concluímos que somente com novas políticas educacionais voltadas para a escola e para o meio onde está inserida é que chegaremos a uma educação realmente igualitária, pois o não oferecimento de capacitações, a falta de recursos para a prática pedagógica e as condições de funcionamento da escola, na zona rural, dificultam o ensino da Língua Portuguesa.



Palavras-chave: Educação no campo; Políticas educacionais; Língua Portuguesa.

















INTRODUÇÃO

                                           

Este trabalho propõe analisar e discutir o desenvolvimento e a atual situação da educação no campo, em Língua Portuguesa, em uma escola de ensino fundamental do Município de São Sebastião/AL. Tomamos por base, dados de pesquisa em uma escola rural do povoado Lagoa Seca. Inicialmente traçaremos um esboço histórico da educação no campo para em seguida evidenciar a situação encontrada durante a realização da pesquisa em relação ao ensino de Língua Portuguesa. No decorrer deste trabalho serão discutidos aspectos legais instituídos pela constituição de 1988, pela LDB e por textos teóricos sobre a educação em geral e no campo. O intuito da discussão é observar a relação entre os preceitos legais voltados para a educação e a promoção humana e sua possível aplicabilidade à realidade apresentada na pesquisa.

A hipótese levantada é a de que a expansão do ensino no campo não seguida de investimentos necessários em infraestrutura, capacitação profissional, e acima de tudo, investimentos sociais, ocasionou grandes disparidades na relação educação campo-cidade no ensino de Língua Portuguesa. 

Para a realização da pesquisa contamos com a participação de seis alunos, sendo três homens e três mulheres do 8°e 9° anos e de uma professora de Língua Portuguesa. A pesquisa foi realizada através de entrevistas semi-estruturadas, que foram gravadas e posteriormente transcritas.  Analisaremos sob a lógica da pesquisa qualitativa a disponibilidade de recursos físicos e humanos e a caracterização sócio-econômica dos alunos e da professora de Língua Portuguesa.        



UM BREVE HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO NO CAMPO.



Os primeiros recursos para a educação no campo, que passaria a ser chamada educação rural, na legislação brasileira, foram destinados pela constituição de 1934, porém nenhuma política pública para o cumprimento desta determinação foi implementada (SECAD, 2007). A educação no campo, naquele período, ainda não atendia interesses das elites dominantes, daí não proporcionar àquela população pobre algo que poderia melhorar sua situação. A partir da década de 1960, o êxodo de camponeses para a cidade fez com que as autoridades buscassem meios de fixar essa população no campo: a educação foi um deles. Este fator somado à grande pressão por parte de movimentos sociais fez com que as discussões acerca da educação no campo, no Brasil, tivessem maior ênfase a partir das décadas de 1960 e 1970, levando o governo a começar a implantação de escolas no interior brasileiro. Segundo Cunha e Góes (1989), na década de 1970 ocorreu uma expansão da rede pública de ensino na zona rural fazendo com que a proporção de analfabetos de 14 anos caísse de 41,9 % para 36,8%, porém salientam os autores que os resultados ainda eram muito inferiores às necessidades mais básicas.

O processo de discussões por uma educação no campo de qualidade está ligado a aspectos políticos e sociais. A luta por redemocratização do Brasil durante a Ditadura Militar seguiu lado a lado com a luta por uma educação que pudesse atender as particularidades das diversas realidades existentes no país. É importante salientar que movimentos sociais, a exemplo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), tiveram grande importância por lutarem por uma educação de qualidade voltada para as populações rurais. Mas, foi com a Constituição de 1988, que sobressaiu, um dos marcos mais importante para a melhoria da educação, no Brasil, que em seu artigo 205 institui:

Art. 205. A educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1988, art.205).

No ano de 1996, a aprovação da lei 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), proporcionou, do ponto de vista legal, melhorias significativas na educação brasileira e em especial na do campo. Esta determina a promoção da educação básica na zona rural, estabelece que os conteúdos e o calendário escolar devam ser adaptados às peculiaridades e às necessidades da vida rural (BRASIL, 1996: art. 28).

Todas as mobilizações por uma educação de qualidade, no campo, resultaram no primeiro Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (Iº ENERA), realizado em julho de 1997, na Universidade de Brasília; em 1998 foi realizada a Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo; em 2002, foram criadas as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica das Escolas do Campo; em 2003, o Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo e; em 2004, foi realizada a segunda edição da Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (SECAD, 2007). Todas estas iniciativas tiveram e ainda têm grande importância para o estágio da educação atual, porém é evidente que estes foram apenas pequenos passos de uma grande jornada por uma educação igualitária e de qualidade.

                                                                                                                          

POR UMA EDUCAÇÃO IGUALITÁRIA E DIFERENTE



Na educação, um dos aspectos questionados atualmente e que há tempos está em discussão, é a necessidade de abordá-la levando em consideração as diversas realidades brasileira e nordestina. Não se está aqui abordando a qualidade da educação de uma forma geral, mas sim em um recorte da sociedade brasileira. A realidade do camponês brasileiro parece longe da apontada pela CF/88, acima citada. Campo e cidade vivem separados por realidades opostas. A população do campo recebe hoje, no Brasil, uma educação de qualidade duvidosa. Se na cidade os investimentos são insuficientes, no campo a situação tende a se agravar. Entretanto, essa situação não é desconhecida por parte dos governantes. O próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão vinculado ao Governo Federal, em publicação voltada para a temática destaca que

as escolas rurais apresentam características físicas e dispõem de infra-estrutura bastante distinta daquelas observadas nas escolas urbanas. Por exemplo, enquanto 75,9% dos estabelecimentos urbanos estão equipados com microcomputadores, apenas 4,2% dos estabelecimentos rurais de ensino contam com este recurso. Equipamentos como biblioteca, laboratório e quadras de esporte não fazem parte da realidade das escolas rurais (INEP, 2007: 29).

Assim, o Governo Federal mesmo tendo ciência da situação acima apontada, parece não se preocupar com as causas que ocasionam tais disparidades. Os alunos no campo, além da péssima condição física da estrutura escolar, ainda têm que enfrentar outros problemas. Por, geralmente, pertencerem a famílias empobrecidas encontram-se na situação de trabalhador-estudante, dividindo seu tempo entre a escola e suas atividades laborais. Em meio a esta dualidade a escola do campo está sempre em segundo plano. Como precisam trabalhar para sobreviver e a escola não lhes oferece, ou oferece poucas possibilidades de desenvolvimento econômico, veem-se obrigados a abandonar os estudos.

Se a educação na zona rural é tão precária, por que não transportar os alunos até a cidade? Para responder a esse questionamento, dois aspectos devem ser levados em consideração: primeiro a educação no campo atende a interesses capitalistas que visam separar campo e cidade, pois o capitalista diante da necessidade de alguém para realizar trabalhos braçais e de produzir alimentos, dá as populações rurais uma ‘educação’ que só lhes possibilita a realização destes trabalhos. Esta separação foi descrita por Marx, quando este autor demonstra a necessidade do capital de dividir cidade e campo, de separar trabalho físico e intelectual (MARX, 2007). Segundo, o que inviabilizaria a inclusão dos alunos do campo nas escolas da cidade é que eles estariam sendo imersos em uma realidade totalmente diversa, frequentariam estabelecimentos de ensino que lhes possibilitariam melhores condições, mas continuariam a vivenciar uma difícil realidade social em meio à pobreza e à necessidade de trabalhar. Entretanto, sem políticas públicas claras para a educação camponesa, governantes, geralmente optaram pela saída mais fácil: ao invés de propiciar estrutura física e condições de ensino, passam a transportar os alunos para as cidades, desconsiderando, o segundo questionamento e, favorecendo o primeiro, fortalecendo, assim, a persistente exclusão do camponês de sua realidade. Entretanto, ressaltamos que a construção de uma educação igualitária está diretamente relacionada à desconstrução de muitos dos paradigmas e crenças atualmente pregados na educação no campo. Precisamos romper a visão urbanocêntrica, que impõe uma educação a todos seguindo o molde da que é utilizada na cidade. Nesse sentido a escola deve atender às peculiaridades da vida rural e de cada região conforme estabelecido pelo artigo 28 da LDB, que institui:

Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;

II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas

III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996: art. 28).

Segundo Brandão “a rigor, não existe educação rural: existem fragmentos da educação escolar-urbana introduzidos no meio rural (BRANDÃO Apud MUNARIM, 2010:15)”. A posição deste autor evidencia a problemática da necessidade de se reconsiderar a forma como vem sendo tratada a educação no meio rural. Também corrobora a suposição de que a implantação de escolas na zona rural não seguida de outros investimentos, em áreas sociais, por exemplo, contribuíram para uma distorção entre os resultados obtidos pela educação no campo e na cidade. Ou seja, a legislação brasileira, tanto na CF/88 como na LDB/96, não são consideradas quanto ao processo de organização de escolas camponesas nem em relação à adaptação, como estabelece a LDB.

Segundo dados do IBGE, a freqüência de alunos entre 7 e 14 anos era em 2004 de 97,5 % para alunos da zona urbana e de 95,5 % para os da zona rural(SECAD, 2007). Estes dados evidenciam que o acesso à escola é praticamente igual, porém as condições de acesso são totalmente diversas. Os alunos na zona rural vivenciam desde cedo a realidade do trabalho, em 2003 das crianças de 5 a 9 anos que trabalhavam no Brasil, 80% realizavam atividades agrícolas. Este fator implica em distorções em outros indicadores. A taxa de distorção idade-série, por exemplo, alcança índices mais elevados na população rural, estima-se que em 2005, 56% dos alunos de 5ª a 8ª não apresentava idade condizente com a série, já na cidade o índice era de 34,8% (INEP, 2007). Logo se observa que criar escolas em todos os locais e criar os meios necessários para que os alunos frequentem e possam continuar a frequentar, é condição primordial para a democratização do ensino.



A EDUCAÇÃO NO CAMPO: DIAGNÓSTICO



Durante pesquisa realizada na Escola de Ensino Fundamental Padre Anchieta, situada na zona rural de São Sebastião-AL, ficou-nos claras as dificuldades enfrentadas por professores e alunos para uma educação de qualidade. A escola alvo de nossa pesquisa apresenta razoável número de alunos do próprio povoado e dos povoados vizinhos. Este fato evidencia que o governo ao invés de proporcionar estrutura física passa a concentrar o ensino, mesmo na zona rural, desconsiderando as diversas realidades do camponês e persistindo com a exclusão deste de sua realidade.

A escola possui 11(onze) salas para atender a quantidade de aproximadamente 400 alunos[4]. Esta quantidade de alunos resultaria em uma média de 36 por sala, número “aceitável”, porém, como não ocorre uma distribuição proporcional de alunos por turma, isto ocasiona uma maior quantidade de alunos em algumas salas de aula, o que dificulta muito a aprendizagem. Diante desta situação professores e alunos têm seu rendimento reduzido.

Quanto a recursos para auxilio à prática pedagógica, a escola dispunha de apenas 02(duas) televisões, 02(dois) aparelhos de DVD, 01(um) retroprojetor e 06(seis) computadores. Os computadores funcionam, sendo às vezes usados para pesquisa dos alunos, já os professores não fazem uso, conforme o depoimento da entrevistada.

A gente professores não estamos utilizando, porque eu, se fosse utilizar precisava de uma pessoa, que soubesse mexer nos computadores que tivesse aqui na sala disponível, pra me ajudar com os alunos, se a sala fosse... tivesse computadores suficientes que não têm. Então a gente não tá utilizando a sala de computador, quando os alunos usa, é um ou outro, pra fazer uma pesquisa, mas individual (Professora de Língua Portuguesa, em 05/05/2010).

O número de equipamento é muito reduzido tendo em vista que a escola conta com 11(onze) turmas em cada horário, e que 11(onze) professores poderiam solicitar esse material a cada aula. Além da pouca disponibilidade de materiais, a escola não conta com uma sala de informática adequada, sendo que os computadores ficam em uma sala, que é um misto de biblioteca, sala de vídeo e coordenação pedagógica. A falta de locais adequados para a leitura e para aulas com vídeo foi apontada pelos alunos como um dos problemas da escola no campo. Vejamos o comentário de uma aluna quando questionada sobre o que mais gosta e não gosta na escola.

O que eu mais gosto é, assim sobre matéria? O que eu mais gosto... eu gosto de biblioteca. Aqui não tem uma. Eu gosto... intervalo eu não gosto porque demora muito, aí eu gosto de ficar na sala.  E::... os diretores são ótimos, os professores também. O que eu não gosto? Não sei, eu não gosto porque não tem biblioteca (Aluna do 9° ano, em 05/05/2010).

 Além de não conter local adequado para funcionamento de biblioteca, sala de vídeo e informática a escola não conta com profissionais qualificados para a utilização dos poucos equipamentos existentes, nem ofereceu qualquer tipo de capacitação aos professores nos últimos anos.

O quadro de funcionários da instituição é muito inferior ao necessário[5], tendo alguns que realizar múltiplas funções para o seu funcionamento. Quanto aos professores[6], a realidade é contrastante: existem aqueles com formação adequada, inclusive, pós-graduados e aqueles sem formação condizente com a área lecionada, ou que ainda estão em processo de formação[7].

O trabalho infantil mostrou-se ainda presente durante as entrevistas e foi apontado como fator que dificulta um melhor desempenho escolar, 2(dois) dos 6(seis) entrevistados relataram trabalhar e terem dificuldade em conciliar suas atividades com o estudo. Deve-se também frisar que o trabalho atinge índices diferentes de acordo com o sexo do aluno, das 3(três) meninas entrevistadas nenhuma relatou trabalhar, já entre os meninos dos 3(três), 2(dois) trabalhavam.

A incidência de baixa escolaridade dos pais de alunos evidencia a forma como vem sendo tratada a educação. Dos 6(seis) alunos entrevistados apenas 1(um) relatou que a mãe havia concluído o ensino médio. Este fator traz consigo outros problemas, por não terem maior escolaridade essas pessoas, geralmente, conseguem empregos que pagam muito pouco. Por viverem no campo e, comumente, trabalharem na agricultura, em época de colheita, por não terem condição de pagar para alguém realizar o trabalho veem-se obrigados a pôr os próprios filhos para trabalhar. E, por não possuírem conhecimentos técnicos (que poderia ser favorecido pela escola camponesa) para o desenvolvimento da produção, também, não conseguem maior produção e produtividade, favorecendo a continuidade da situação de miséria e pobreza.  Essa situação acontece, tendo em vista que a escola no campo ainda não tem objetivos bem definidos, por isso, talvez, ainda não haja uma maior valorização. A visão dos alunos é de estarem em um meio inferior, todos vêem a escola urbana como melhor: com mais recursos e professores mais qualificados. Apesar de a escola urbana, como apontado acima, possuir melhores condições, acreditamos que ocorre uma visão romantizada da vida na cidade. Quando questionados sobre o que não gostavam em sua escola, 03(três) afirmaram que a falta dos professores era grande problema. Os professores faltavam frequentemente, tendo em um dos dias de entrevista, faltado 06(seis) dos 11(onze) que deveriam estar na escola. O depoimento de um dos alunos evidencia essa situação quando ele afirma:o que eu mais gosto em minha escola é...quando tão os professores todos dentro da sala de aula (em 05/05/2010)”.

A escola no campo vive sob um modelo que é inspirado no da cidade, havendo muito pouca interação com a comunidade. As adaptações necessárias a adequação da realidade rural não seguem as diretrizes estabelecidas pela LDB, não ocorrendo adaptação dos conteúdos e calendário às peculiaridades e às necessidades dos educandos. Os pais muito pouco participam da vida escolar: ”às vezes eles (os pais) não contribuem tanto quanto a gente gostaria né! Porque a gente tá sempre pedindo, batendo na mesma tecla. Mas eles geralmente quando são convocados na escola, eles na escola não vêm (Professora de Língua Portuguesa, em 05/05/2010)”. Escola e sociedade vivem separadas por realidades distintas não existindo valorização da cultura local. Com relação à interação com a comunidade um aluno do 9° afirmou que o professor deveria “tentar levantar o astral dos alunos, tentar reerguer a sala de modo geral, saindo, assim dando uma circulada por aí, porque aqui no sítio tem muita coisa boa (em 05/05/2010)”. Este fato evidencia que há um interesse, por parte do entrevistado, por uma maior interação escola-comunidade.

Diante da situação exposta, questionamos que tipo de educação está sendo oferecida e a que interesses serve a escola. Parece-nos que estamos reproduzindo conhecimentos e, mesmo assim, uma reprodução de forma deficitária. A escola, sob a lógica apresentada acima, atende a interesses da classe dominante, quando exclui do acesso ao conhecimento grande parte da população e, visa transmitir as novas gerações, ideologias que perpetuem relações de subserviências. A educação está sendo utilizada dentro de uma lógica positivista durkheimiana, que visa formar uma geração harmônica, que aceite sua posição sem contestar (Durkheim, 1995). Sob essa perspectiva, cabe à escola incutir na classe empobrecida, que dentro do modelo de sociedade positivista (e neopositivista) caberia a ela realizar os trabalhos que exigissem maior esforço físico. Assim, o camponês, deve continuar produzindo o necessário para o desenvolvimento econômico, desde que não exija contrapartida em melhores condições de vida, trabalho ou de educação. Segundo Durkheim “nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade e homens de ação (DURKHEIM Apud MAGALHÃES e BERTOLDO, 2005: 24)”. Em outro texto Durkheim observa sobre a educação:

quando reparamos nos fatos tais como são, e como sempre foram, salta aos olhos que toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir as quais ela não teria chegado espontaneamente. Desde os primeiros tempos de suas vidas que as obrigamos, a comer, a dormir, a beber nas horas certas. Obrigamo-la à limpeza, a calma, e a obediência (DURKHEIM 2008:  35).

O autor acima parece imputar a inevitabilidade dos acontecimentos sociais, como necessários ao desenvolvimento humano. Diante da idéia acima citada percebemos, também, o quanto a educação no campo, segue hoje essa ideologia de imposição e de formação de jovens totalmente unilaterais, de jovens obedientes a uma situação que lhes é imposta.



A EDUCAÇÃO NO CAMPO E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA.



As condições de funcionamento da escola no campo, da forma como observada dificultam o ensino de Língua Portuguesa. A falta de material didático, biblioteca, de um quadro de funcionários condizente com a realidade da escola, favorecem um ensino descontextualizado e excludente. Durante a entrevista com a professora, foi-nos relatada a dificuldade de ensinar no campo. A falta de biblioteca, de livro didático foi apontada com um dos grandes problemas a ser enfrentado. Quando questionada sobre o que é necessário para aumentar qualidade do ensino de Língua Portuguesa, a professora afirmou:

antes de tudo, uma biblioteca grande e cheia de livros, uma sala com, com a televisão já prontinha, lá pra gente poder levar o aluno e já tá lá as cadeirinhas tudo no local. É eu acho que a escola já ficaria aí na questão de espaço físico 10. né!... E o resto é, era só a família e o aluno mesmo que tem que nos ajudar (Professora de Língua Portuguesa, em 05-05-2010).

Em meio a esta realidade ainda dificultada pelo fato de alguns de seus alunos terem que trabalhar e, diante dos poucos recursos existentes, os professores, por não contarem com quantidade suficiente de livro didático, veem-se obrigados a escrever os conteúdos, isto ocasiona menor tempo para explicação e diálogos e torna as aulas cansativas, levando cada vez mais os alunos a perderem o interesse pelo estudo de sua língua materna.

O não oferecimento de capacitações foi apontado pela professora como um fator que dificulta um melhor desempenho docente na zona rural, a falta de programas de capacitação voltados para o ensino no campo também se mostrou presente entre os fatores que dificultam o ensino, acerca disso a professora afirmou:



olhe no... aqui no município mesmo [...] faz um bom tempo, que a gente não faz (capacitação), mas não tinha um direcionamento em questão de relação a educação no campo, [...] porque realmente são visões, são mundo diferentes, apesar do aluno hoje ele tá, tá sempre lá, correndo, vai num comércio, vai no centro, mas a questão da, da/de viver num local diferente né, faz ele ter um mundo diferente daquele que mora na cidade (Professora de Língua Portuguesa, em 05-05-2010).

Ao observar as condições de funcionamento da escola alvo de nossa pesquisa constatamos de que forma o ensino em geral, e em particular  de língua materna sofrem a influência do ambiente onde a escola está inserida. Percebemos que a falta de investimentos ocasiona dificuldades para o ensino, fazendo com que ocorra a exclusão do camponês do acesso ao conhecimento. O ambiente escolar como apresentado tende a dificultar  o ensino de língua materna, pois os recursos para a prática pedagógica são insuficientes: não há livro didático em quantidade adequada tendo a professora que trabalhar dividindo pouco material entre os alunos; só existem 6(seis) computadores, número insuficiente para a utilização em turmas que tem em média entre 35 e 40 alunos. Estes fatores se resolvidos poderiam ser determinantes para melhorar a qualidade do trabalho docente no campo.

Durante as entrevistas observamos a visão dos alunos sobre a importância de estudar a língua portuguesa. Esta é vista por eles de forma superficial, quase sempre se resumindo à gramática tradicional. Quando questionados sobre a importância de estudar a língua, a resposta estava quase sempre relacionada a vestibular, trabalhos ou provas escolares. O ensino deixa dentro dessa perspectiva de desenvolver a capacidade de comunicação e interpretação de diversas modalidades textuais, e passa a ser visto com o objetivo de “aprender palavras estranhas”, de “falar certo”. Esta forma de encarar “os fatos da linguagem condena ao submundo todas as manifestações lingüísticas não-normatizadas, rotuladas automaticamente de ‘erro’– e, junto [...] condena-se ao silêncio e à quase-inexistência as pessoas que se servem delas (BAGNO, 2007: 20-21)”. Os alunos entrevistados evidenciaram tal questão, quando dizem que querem “falar certo”, “aprender palavras estranhas” ou “falar a linguagem correta”. “Nesta Perspectiva aquilo que vem do alto, das classes dominantes, é considerado indiscutivelmente bom, bonito, digno de ser imitado, e passa a ser considerado como um valor natural (BAGNO, 2009:66)”. Vejamos o que disse um aluno sobre a importância do ensino de Língua Portuguesa:

É, porque a pessoa conhece um monte de palavras estranhas, se não a pessoa/com’é que a pessoas num estudasse português, num ia aprendê a escrevê/num ia aprendê a escrevê... e sem o português num ia fazer essas ôtras matérias, porque não sabia (Aluno do 9° ano, em 30-04-2010).





Ficou claro entre os alunos entrevistados que seu conhecimento parece não ser parte do universo que a escola pretende ensinar e que, como falam, não é valorizado. Para Freire (1998), a escola deve respeitar os saberes com que o educando chega a ela e discutir com os alunos a razão de ser destes conteúdos. Logo o ensino da língua materna, quando sobrevaloriza os aspectos formais, em detrimento, de uma aprendizagem ampla que leve em consideração as diversas realidades, tende a desconsiderar o aprendizado popular, as relações de poder existentes e, apresentar uma suposta neutralidade, como se não fosse instrumento de poder e dominação na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS



Após as observações realizadas concluímos que somente com novas políticas educacionais voltadas para a escola e para o meio que a envolve é que chegaremos a uma educação realmente igualitária. Tendo em vista que a escola alvo de nossa pesquisa não dispunha de biblioteca e sala de informática adequadas e sofre com a falta de livro didático, sendo estes fatos evidenciados no depoimento da professora, ao lado do não oferecimento de capacitações, como fatores que dificultam o ensino de Língua Portuguesa. Estes problemas somados a um quadro de funcionários insuficiente confirmam a hipótese de que a expansão do ensino no campo não seguido de outros investimentos ocasiona variações entre a educação urbana e a rural.

Durante a realização da pesquisa pudemos constatar como é tratada a educação na zona rural, observamos e, escutamos através dos depoimentos, os problemas enfrentados por professores e alunos. Constatamos o quanto a escola rural ainda carece de maior atenção das autoridades, pois apresenta dificuldades relacionadas à estrutura física e à disponibilidade de materiais. Esta situação faz com que os alunos vejam a escola da cidade como melhor, com mais materiais, com professores mais qualificados, fato confirmado por apenas 1(um) dos 6(seis) entrevistados ter manifestado o interesse em continuar estudando na zona rural.

Quanto ao ensino de Língua Portuguesa, notamos as dificuldades a serem enfrentadas e a forma como os alunos encaram sua língua materna. Nos depoimentos notamos que os alunos veem-na como uma forma de aprender “palavras estranhas”, de falar “certo”. Nesta perspectiva o ensino deixa de desenvolver a capacidade de escrita e expressão nas diversas modalidades textuais e passa centrar-se na reprodução de conhecimentos e ideologias pré-estabelecidos. 

A escola no campo da forma como foi observada deixa de atuar na formação dos indivíduos e promoção do desenvolvimento social, tornando-se um meio de conservar a ordem social que interessa às elites. É curioso notar que mesmo existindo diretrizes para que o ensino promova o desenvolvimento social, torna-se necessário uma maior aplicabilidade dos termos legais, pois apesar de existirem leis que impõem vários direitos, estas ainda não são efetivamente cumpridas.





REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BAGNO, Marcos. A norma oculta: língua e poder na sociedade brasileira. 8. ed. São Paulo: Parábola, 2009.



_______ A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação lingüística. In: BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gilles; STUBBS, Michael. Língua materna: letramento, variação e ensino. 4. ed. São Paulo: Parábola, 2007. Cap 1, p. 13-82.



BRASIL. Congresso Nacional. LDB – Lei de Diretrizes e Bases de da Educação Nacional. Brasília, 1996.



BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.



CUNHA, Luiz Antônio; GÓES, Moacyr de. O golpe na educação. 8. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 1989.



DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Pietro Nassetti. 2 Reimpressão. São Paulo: Martin Claret, 2008.



DURKHEIM, Émile. Educação e Sociologia. Tradução de Lourenço Filho. 4. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1995.



FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 37. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.



INSTITUTO Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP. Panorama da educação no campo. Brasília/DF: MEC, 2007.



MAGALHÃES, Belmira e BERTOLDO, Edna. Trabalho, educação e formação humana. Maceió: Edufal, 2005.



MARX, Karl. A ideologia alemã. Tradução de Frank Müller. 3. ed. São Paulo: Martin Claret, 2007.



MUNARIM, Antônio. Movimento nacional de educação do campo: uma trajetória em construção. UFSC. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/31ra/1trabalho/GT03-4244--Int.pdf>. Acessado em: 06 de maio de 2010.



SECRETARIA de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade-SECAD. Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Brasília/DF: MEC, março de 2007(Cadernos SECAD 2).



                                                                                                  





[1] Graduando em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Alagoas-Campus I.
[2] Graduando em Letras Português/Francês na Universidade Estadual de Alagoas-Campus I.
[3] Professor de Sociologia da Universidade Estadual de Alagoas-Campus I.
[4] Quantidade de alunos no horário vespertino, no total a escola conta com 816 alunos.
[5] A escola dispõe de: 3 merendeiras; 5 serviçais; 4 auxiliares-administrativo; 1 professor de disciplina.
[6] A escola dispõe de 39.
[7] Tomamos conhecimento da existência de professores atuando em área diferente de sua formação ou que ainda estão por concluí-la, porém não tivemos acesso a dados que comprovem a quantidade.

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