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domingo, 23 de novembro de 2008

DOCUMENTOS HISTÓRICOS-I CONGRESSO NACIONAL DOS LAVRADORES E TRABALHADORES AGRÍCOLAS/1961

A declaraçoa de Belo Horizonte/1961, é um marco histórico para o sindicalismo rural brasileiro, pois além de rearfirmar a necessidade de uma reformar agrária radical, questiona a própria estrutura agrária brasileira. Demonstrando, inclusive, a permanência de formas de exploração da terra sob os interesses dos latifundiários. Pode nos propiciar reflexão, inclusive, sobre a prática atual de alguns movimentos sociais em luta pela terra.
Leiam o documento na íntegra:

"DECLARAÇÃO DE BELO HORIZONTE", APROVADA PELO I CONGRESSO NACIONAL DE LAVRADORES E TRABALHADORES DO CAMPO, EM 17 DE NOVEMBRO DE 1961
Declaração de Belo Horizonte

Na sessão de encerramento dos trabalhos do I congresso Nacional de Lavradores e trabalhadores Agrícolas, em Belo Horizonte, com a presença de 600 delegados de todo o país, grande massa popular, representantes da classe operária, da intelectualidade, dos estudantes, autoridades governamentais, inclusive o presidente da República e o primeiro-ministro, foi unanimemente aprovada a seguinte Declaração:

"As massas camponesas oprimidas e exploradas de nosso país, reunidas em seu I Congresso Nacional, vêm por meio desta Declaração manifestar a sua decisão inabalável de lutar por uma reforma agrária radical. Uma tal reforma nada tem a ver com as medidas paliativas propostas pelas forças retrógradas da Nação, cujo objetivo é adiar por mais algum tempo a liquidação da propriedade latifundiária. A bandeira radical é a única bandeira capaz de unir e organizar as forças nacionais que desejam o bem-estar e a felicidade das massas trabalhadoras rurais e o progresso do Brasil.

O I Congresso Nacional de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, após os debates travados durante todo o período de sua realização, definiu os elementos básicos que caracterizam a situação atual das massas camponesas e fixou os princípios gerais a que se deve subordinar uma reforma agrária radical.

A característica principal da situação agrária brasileira é o forte predomínio da propriedade latifundiária. Com uma população rural de cerca de 28 milhões de habitantes, existem no Brasil apenas 2.065.000 propriedades agrícolas. Neste número incluem-se 70.000 propriedades agrícolas existentes, mas que possuem 62,33% da área total ocupada do país.

É o monopólio da terra, vinculada ao capital colonizador estrangeiro, notadamente o norte-americano, que nele se apóia para dominar a vida política brasileira e melhor explorar a riqueza do Brasil. É o monopólio da terra o responsável pela baixa produtividade de nossa agricultura, pelo alto custo de vida e de exploração semifeudal que escravizam e brutalizam milhões de camponeses sem terra. Essa estrutura agrária caduca, atrasada, bárbara e desumana constitui um entrave decisivo ao desenvolvimento nacional e é uma das formas mais evidentes do processo espoliativo interno.

A fim de superar a atual situação de subdesenvolvimento crônico, de profunda instabilidade econômica, política e social e, sobretudo, para deter a miséria e a fome crescentes, elevar o baixo nível de vida do povo em geral e melhorar as insuportáveis condições de vida e de trabalho a que estão submetidas as massas camponesas, torna-se cada vez urgente e imperiosa a necessidade da realização de uma reforma agrária que modifique radicalmente a atual estrutura de nossa economia agrária e as relações sociais imperantes no campo.

A reforma agrária não poderá ter êxito se não partir da ruptura imediata e da mais completa liquidação do monopólio da terra, exercido pelas forças retrógradas do latifúndio e o conseqüente estabelecimento do livre e fácil acesso à terra dos que queiram trabalhar.

É necessário, igualmente, que a reforma agrária satisfaça as necessidades mais sentidas e as reivindicações imediatas dos homens do campo. Que responda, portanto, aos anseios e interesses vitais dos que queiram trabalhar a terra e que, aqui, se encontram reunidos, através de seus representantes e delegados de todo o país ao I congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil.

Para os homens que trabalham a terra, a reforma agrária, isto é, a completa e justa solução da questão agrária no país, é a única maneira de resolver efetivamente os graves problemas em que se debatem as massas camponesas e, portanto, elas, mais de que qualquer outra parcela da população brasileira, estão interessadas em sua realização. As massas camponesas têm a consciência de que a solução final dessa questão depende delas.

A execução de uma reforma agrária, efetivamente democrática e progressista, só poderá ser alcançada à base da mais ampla e vigorosa ação, organizada e decidida, das massas trabalhadoras do campo, fraternalmente ajudadas em sua luta pelo proletariado das cidades, os estudantes, a intelectualidade e demais forças nacionalistas e democráticas do povo brasileiro.
As medidas aqui propostas, capazes de realmente conduzirem à solução do magno problema de reforma agrária em nossa pátria, evidentemente se chocam e se contrapõem aos interesses e soluções preconizadas pelas forças sociais que se beneficiam e prosperam à base da manutenção da arcaica e nociva estrutura agrária atual.

Sobre essa estrutura repousa a instável economia, dependente e subdesenvolvida, de nossa pátria, e que, a todo custo, essas forças procuram impedir que se modifique.

A reforma agrária que defendemos e propomos diverge e se impõe frontalmente, portanto, aos inúmeros projetos, indicações e proposições sobre as pretensas "reformas", revisões agrárias e outras manobras elaboradas e apresentadas pelos representantes daquelas forças, cujos interesses e objetivos consultam, sobretudo, o desejo de manter no essencial e indefinidamente o atual estado de coisas.

A reforma agrária pela qual lutamos tem como objetivo fundamental a completa liquidação do monopólio da terra exercido pelo latifúndio, sustentáculo das relações antieconômicas e anti-sociais que predominam no campo e que são o principal entrave ao livre e próspero desenvolvimento agrário do país.

Com a finalidade de realizar a reforma agrária que efetivamente interessa ao povo e às massas trabalhadoras do campo, julgamos indispensável e urgente das soluções às seguintes questões:
Radical transformação da atual estrutura agrária do país, com a liquidação do monopólio da propriedade da terra exercido pelos latifundiários, principalmente com a desapropriação, pelo governo federal, dos latifúndios, substituindo-se a propriedade monopolista da terra pela propriedade camponesa, em forma individual ou associada, e a propriedade estatal.

Máximo acesso à posse e ao uso da terra pelos que nela desejam trabalhar, à base da venda, usufruto ou aluguel a preços módicos das terras desapropriadas dos latifundiários e da distribuição gratuita das terras devolutas.

Além dessas medidas que visam a modificar radicalmente as atuais bases da questão agrária no que respeita ao problema da terra, são necessárias soluções que possam melhorar as atuais condições de vida e de trabalho das massas camponesas, como sejam:
Respeito ao amplo, livre e democrático direito de organização independente dos camponeses em suas associações de classe.

Aplicação efetiva da parte da legislação trabalhista já existente e que se estende aos trabalhadores agrícolas, bem como imediatas providências governamentais no sentido de impedir sua violação. Elaboração de Estatuto que vise a uma legislação trabalhista adequada aos trabalhadores rurais.

Plena garantia à sindicalização livre e autônoma dos assalariados e semi-assalariados do campo. Reconhecimento imediato dos sindicatos rurais.
Ajuda efetiva à economia camponesa, sob todas as suas formas.

As massas camponesas sentem agravar-se, a cada dia que passa, o peso insuportável da situação a que estão submetidas. Por isso mesmo, se mobilizam e se organizam para lutar decididamente pela obtenção de seus objetivos, expressos em uma efetiva, democrática e patriótica reforma agrária. Essa luta que já se processa evoluirá até que sejam atingidos e realizados seus objetivos, pelos quais as massas do campo não pouparão esforços nem medirão sacrifícios.
Nas atuais condições, tudo deve ser feito para conseguir que as forças que dirigem os destinos da nação brasileira se lancem à realização de uma eficaz e inadiável política agrária, capaz de, através da execução de medidas parciais, ir dando solução às questões indispensáveis à plena realização da reforma agrária de que necessitam os lavradores agrícolas, assim como todo o povo brasileiro. Tais medidas, entre outras, são as seguintes:

Imediata modificação pelo Congresso Nacional do Artigo 147 da Constituição Federal em seu parágrafo 16, que estabelece a exigência de "indenização prévia, justa e em dinheiro" para os casos de desapropriação de terras por interesse social. Esse dispositivo deverá ser eliminado e reformulado, determinando que as indenizações por interesse social, sejam feitas mediante títulos do poder público, resgatáveis a prazo longo e a juros baixos.
Urgente e completo levantamento cadastral de todas as propriedades de área superior a 500 hectares e de seu aproveitamento.

Desapropriação, pelo governo federal, das terras não aproveitadas das propriedades com área superior a 500 hectares, a partir das regiões mais populosas, das proximidades dos grandes centros urbanos, das vias de comunicação e reservas de água.
Adoção de um plano para regulamentar a indenização da dívida pública, a longo prazo, e a juros baixos, das terras desapropriadas, avaliadas à base do preço da terra registrado para fins fiscais.
Levantamento cadastral completo, pelos governos federal, estaduais e municipais, de todas as terras devolutas.

Retombamento e atualização de todos os títulos de posse de terra. Anulação dos títulos ilegais ou precários de posse, cujas terras devem reverter à propriedade pública.
O imposto territorial rural deverá ser progressivo, através de uma legislação tributária que estabeleça: 1o) forte aumento de sua incidência sobre a grande propriedade agrícola; 2o) isenção fiscal para a pequena propriedade agrícola.
Regulamentação da venda, concessão em usufruto ou arrendamento das terras desapropriadas aos latifúndios, levando em conta que em nenhum caso poderão ser feitas concessões cuja área seja superior a 500 hectares, nem inferior ao mínimo vital às necessidades da pequena economia camponesa.

As terras devolutas, quer sejam de propriedade da União, dos Estados ou Municípios, devem ser concedidas gratuitamente, salvo exceções de interesse nacional, aos que nelas queiram efetivamente trabalhar.
Proibição da entrega de terras públicas àqueles que as possam utilizar para fins especulativos.
Outorga de títulos aos atuais posseiros que efetivamente trabalham a terra, bem como defesa intransigente de seus direitos contra grilagem.

Que seja planificada, facilitada e estimulada a formação de núcleos de economia camponesa, através da produção cooperativa.
Com vistas a um rápido aumento da produção, principalmente de gêneros alimentícios, que possa atenuar e corrigir a asfixiante carestia de vida em que se debate a população do país, sobretudo as massas trabalhadoras da cidade e do campo, o Estado deverá elaborar um plano de fomento da agricultura, que assegure preços mínimos, compensadores nas fontes de produção; transporte eficiente e barato; favoreça a compra de instrumentos agrícolas e outros meios de produção; garanta o fornecimento de sementes, adubos, inseticidas etc., aos pequenos agricultores; conceda crédito acessível aos pequenos cultivadores, proprietários ou não, e combata o favoritismo dos grandes fazendeiros.

O I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas conclama o povo brasileiro a tomar em suas mãos esta bandeira e torná-la vitoriosa.
Belo Horizonte, 17 de novembro de 1961.


Fonte: BASTOS, Elide R. As Ligas Camponesas. Petrópolis: Vozes, 1984.

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