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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A ENTREVISTA COMO TECNICA DE PESQUISA EM CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS


Antonio Barbosa Lúcio[1]

Este texto fará algumas considerações quanto ao uso de entrevistas como técnica de pesquisa utilizada em ciências humanas e sociais. Destacaremos especialmente, tipos de entrevistas e seus possíveis usos por pesquisadores. O uso de entrevistas como técnica de coleta de dados é utilizada nas ciências humanas e sociais como meio considerado adequado para o entendimento das relações subjetivas em que estão inseridos os atores envolvidos. De forma simples, poderíamos definir a entrevista como uma conversa com perguntas e respostas. De forma mais elaborada, Haguette (1977:86) define a entrevista como “processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado”. A entrevista pode ser de esclarecimento quando o pesquisador tem por objetivo esclarecer melhor o assunto que está tratado ou visa esclarecimentos quanto a possibilidade de uma resposta confusa dada pelo entrevistado; de análise, voltadas para entender problemas visando descobrir suas causas, inclusive aprofundando respostas consideradas superficiais e. de ação: voltadas para a necessidade de os entrevistados expressarem suas ações sobre o desenvolvimento de sua prática diante os problemas analisados


E importante salientar que a pesquisa exige do pesquisador condições para que aprofunde a sua reflexão que não se limitem apenas a coleta de dados de cunho bibliográfico ou mesmo na observação. Este alerta pressupõe que no uso de pesquisas qualitativas devam ser usadas a técnica da entrevista como forma de melhor contribuir para o entendimento do que o pesquisador pretende alcançar. Entretanto, Duarte (2004) alerta para o fato de que é necessário ao pesquisador cuidados quanto a utilização de tais recursos, tendo em vista, por vezes, ausência de rigor no processo de elaboração e concretização das entrevistas. Para esta autora seria necessário aos pesquisadores deixar claro quais os procedimentos teórico/metodológicos que norteiam o seu trabalho, visando apontar critérios:

"Penso que a explicitação de regras e pressupostos teórico/metodológicos que norteiam (ou, pelo menos, deveriam nortear) o trabalho com entrevistas pode subsidiar parte das discussões que dizem respeito aos critérios de rigor e confiabilidade a serem adotados na avaliação de pesquisas científicas que lançam mão desse recurso com maior regularidade. Este texto pretende contribuir para a realização dessa tarefa (DUARTE, 2004:215)".

Portanto, a argumentação dessa autora parte da preocupação de que organizar entrevistas não pode ser vista como algo banal, sem preparo técnico e em consonância com o que é almejado pelo pesquisador. Dessa forma a autora acima citada, aponta alguns critérios para elaboração de entrevistas, a saber:

"A realização de uma boa entrevista exige: a) que o pesquisador tenha muito bem definidos os objetivos de sua pesquisa (e introjetados — não é suficiente que eles estejam bem definidos apenas “no papel”); b) que ele conheça, com alguma profundidade, o contexto em que pretende realizar sua investigação (a experiência pessoal, conversas com pessoas que participam daquele universo — egos focais/informantes privilegiados —, leitura de estudos precedentes e uma cuidadosa revisão bibliográfica são requisitos fundamentais para a entrada do pesquisador no campo); c) a introjeção, pelo entrevistador, do roteiro da entrevista (fazer uma entrevista “não-válida” com o roteiro é fundamental para evitar “engasgos” no momento da realização das entrevistas válidas); d) segurança e auto-confiança; e) algum nível de informalidade, sem jamais perder de vista os objetivos que levaram a buscar aquele sujeito específico como fonte de material empírico para sua investigação(DUARTE, 2004:216)".


Por outro lado, se o processo de organização da entrevista requer do pesquisador os cuidados acima citados, é importante salientar que a análise das entrevistas não é tarefa fácil devido as interferências subjetivas do pesquisador mediante o material empírico, ou seja, pode ocorrer a preocupação de direcionar os estudos do que foi dito pelos entrevistados para corroborar com a hipótese formulada pelo pesquisador. Esse alerta é necessário tendo em vista que se deve ter consciência da subjetividade que norteia o pesquisador, procurando assumi-la de forma consciente para que não ocorram interferências quanto aos resultados da pesquisa. Entretanto, não estamos afirmando que o pesquisador seja neutro diante os fatos apresentados, mas apenas que ele tenha ciência que é um problema que precisa, ao menos em parte, ser resolvido.

Colocadas tais questões norteadoras, a seguir apresentamos os principais tipos de entrevistas e quais seus limites e possibilidades. Vários autores (LAKATOS, 1996; BOURDIEU, 1999; MINAYO, 1993), destacam importantes formas de entrevistas. Entre elas podemos citar: a entrevista projetiva; entrevistas com grupos focais; história de vida; entrevista estruturada; aberta e semi-estruturada. Estes tipos de entrevistas podem ser direcionados para pesquisas tanto qualitativas como quantitativas.

A entrevista projetiva, segundo MInayo (1993), deve ser utilizada quando o pesquisador pretende aprofundar conhecimentos sobre determinado tema, permitindo atingir o objetivo de obter respostas diretas. Para tanto, pode utilizar mecanismos visuais, tais como: fotos, filmes, projeções de slides, etc, como forma de ativar a memória dos entrevistados.

A entrevista com grupos focais, também conhecida como entrevistas em profundidade ou discussões em grupos. Esse tipo de entrevista visa a seleção de entrevistados que possam contribuir conjuntamente com o que o pesquisador almeja alcançar. Pode ser utilizados grupos de pessoas entre 6 a 8. Para melhor desenvolvimento da técnica seria necessária a presença de um moderador que deverá explanar os objetivos da pesquisa e intervir sempre que achar conveniente. Além disso, a entrevista deve ser gravada e, na medida do possível, que possua um observador, não visível aos participantes para que possa analisar os acontecimentos não perceptíveis ao moderador. Ao utilizar este método de entrevista é possível perceber que os participantes tendem a levar os diversos pontos de vistas dos outros entrevistados no momento de elaboração de suas respostas e, inclusive, tendem a interferir no comentário dos demais (BAUER & GASKELL, 2002).

Possíveis dificuldades com esse tipo de entrevista seria que a interferência nos demais inibisse possíveis respostas ou que estas fossem se adequando aos demais entrevistados. De qualquer forma, o pesquisador/observador pode está atento para essas questões e levar em consideração no momento da análise.

Por outro lado, se a intenção for realizar entrevistas em profundidade, deve-se agendar previamente, de forma individual, procurando garantir a possibilidade de obter respostas sobre o assunto estabelecido. Importante salientar q necessidade dos critérios de escolha dos entrevistados. Caso seja uma pesquisa quantitativa, deve selecionar previamente a amostra e levar em consideração as possíveis variáveis.

A História de vida - esse tipo de entrevista, também pode ser relacionado com a História em profundidade, por seu caráter de investigação.

"A história de vida, por sua vez, se define como o relato de um narrador sobre sua existência através do tempo, tentando reconstituir os acontecimentos que vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos acontecimentos que nele considera significativos, através dela se delineiam as relações com os membros do seu grupo, de sua profissão, de sua camada social, de sua sociedade global, que cabe ao pesquisador desvendar (QUEIROZ,1998:20)".


A autora acima destaca que, o interesse do pesquisador, estaria em ir além do que o entrevistado relata, busca captar o que ultrapassa o individual e que esteja inserido na comunidade que o entrevistado pertence. Por outro lado, o pesquisador deve perceber que a história de vida do entrevistado deve ocorrer da forma como ele conta. Ou seja, nem sempre a uma linearidade nos atos narrados, contendo, inclusive, em si altos baixos, típicos da vida cotidiana dos entrevistados. Essa questão tende a apontar para o fato que será necessário várias entrevistas e para o problema de quando concluir a entrevista pois o entrevistado tende a querer sempre acrescentar fatos considerados por ele como novos. Por outro lado, “ toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos”(QUEIR0Z,1998;21).

A diferença entre história de vida e depoimento está na forma especifica de agir do pesquisador ao utilizar cada uma dessas técnicas, durante o dialogo com o informante. Ao colher um depoimento, o colóquio é dirigido diretamente pelo pesquisador; pode faze-lo com maior ou menor sutileza, mas na verdade tem em mãos o fio da moeda e conduz a entrevista. Da “vida” do seu informante só lhe interessam os acontecimentos que venham se inserir diretamente no trabalho, e a escolha é unicamente efetuada com este critério. Se o narrador se afasta em digressões, o pesquisador corta-as para trazê-lo de novo ao assunto (QUEIROZ, 1998:21).


O que significa dizer que nas histórias de vida, embora haja a condução por parte do pesquisador, este tende a ser direcionada pelo narrador, que determina os relatos que são considerados por ele como relevantes. Importante, notar que nada que seja narrado deve ser considerado supérfluo que pode ser descartado previamente.

As entrevistas estruturadas são organizadas previamente pelo pesquisador e enviadas aos entrevistados. Pode ser realizadas, tanto com a presença do pesquisador, como enviada por correios ou meios eletrônicos. Nesse caso, o pesquisador deve enviar de forma sucinta os objetivos almejados. O processo de elaboração, geralmente, deve ser baseado em questões elaboradas qualitativamente, levando em consideração que devem ser gravadas e analisadas posteriormente. No caso de entrevistas, enviadas aos entrevistados em material impresso, com ou sem a presença do pesquisador, deve ter o cuidado na tabulação dos dados e na posterior análise dos resultados alcançados (LODI, 1974 apud LAKATOS, 1996). As entrevistas semi-estruturadas atendem aos requisitos acima, com a diferença que o pesquisado introduz o tema, visando que o entrevistado complemente as questões de acordo com o ponto de vista por ele apresentado sobre o assunto em questão..Nesse caso, o entrevistador deve se comportar como expectador, interferindo da forma mínima possível, talvez apenas quanto ao entendimento das questões apresentadas, possíveis dúvidas ou esclarecimentos. Deve-se utilizar a entrevista aberta quando houver necessidade de ampliar o leque de informações, quando houver necessidade de conhecer o ponto de vista dos entrevistados em profundidade ou quando se visa comparar explanações apresentadas por diversos entrevistados (MINAYO, 1993). As entrevistas semi-abertas devem ocorrer quando o pesquisador tem clareza do objetivo que pretende alcançar não deixando que o entrevistado direcione o andamento da entrevista. Deve ter o cuidado de adicionar perguntas que achar conveniente, mediante as explanações dos entrevistados, visando ampliar questões que não ficaram claras ou que foram insuficientes respondidas.

Estes tipos de entrevistas aberta e semi-abertas, possibilitam condições de ampliar as informações contidas nas entrevistas que, possivelmente, numa pesquisa estruturada não seria possível detectar. Além disso, o pesquisador por perceber reações de agrado ou desagrado ao responder aos questionamentos que não seria possível perceber numa entrevista estruturada. Entretanto, essas formas de entrevistar possuem o inconveniente, da inserção subjetiva do pesquisador que, entre outras coisas, deve está consciente do seu papel, sabendo, inclusive, que a neutralidade em pesquisa é inexistente, mas o que não significar que o direcionamento da pesquisa seja a gosto do pesquisador (SELLTIZ et allii, 1987). Ou seja, seria necessário possui clareza de que o processo de realização de pesquisas exige posicionamentos ideológicos claros e definidos, visando não atrapalhar ou direcionar a interesses aquém da realidade apresentada.



REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA

BAUER, Martin W. & GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. Petrópolis: Vozes, 2002.

BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Tradução de Mateus S. Soares. 3a edição.
Petrópolis: Vozes, 1999.

DUARTE, Rosália. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educar: Editora UFPR: Curitiba, n. 24, p. 213-225, 2004.

HAGUETTE, Teresa Maria Frota. Metodologias qualitativas na Sociologia. 5a
ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

LAKATOS, Eva Maria & MARCONI, Marina de Andrade. Técnicas de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002


MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento científico: pesquisa qualitativa em saúde. 2. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Hucitec-Abrasco, 1993.

QUEIROZ, M. Isaura P. Relatos orais: do “indizível “ ao “dizível”. In. Von simsons, Orga M. Experimentos com História de vida (Itália-Brasil). Vértice, Editora dos Tribunais, 1988.

SELLTIZ, Claire et allii. Métodos de pesquisa nas relações sociais. Tradução de Maria Martha Hubner de Oliveira. 2a edição. São Paulo: EPU, 1987.


[1] Antonio Barbosa Lúcio é mestre em Sociologia e professor de Sociologia e Ciência Política pela UNEAL (Universidade Estadual de Alagoas). Arapiraca/AL, Nov/2006

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